Entrelinhas – “Bateu, doeu, pega que é seu…”, por Bernardo Dugin
Angústia, medo, frustração por improdutividade. Não conseguir concluir todos os cursos online, se entupir de lives, pirar, respirar. Estocar ou não alimentos? Ficar estarrecido quando na Itália morreram mil em um dia. Será o fim dos tempos? Consumir notícias quase 24h. Se preocupar e compartilhar informações. Desmentir Fake News após duvidar de um áudio imenso do Whatsapp. O pânico se espalha. Compra álcool gel. Passa álcool gel. Não toca na máscara. Ela cai. Incomoda. Fica em casa. São só 15 dias! Vai passar. Não passou. Pirar de novo. Ligar para amigos. Pedir delivery de comida do bairro, da sua cidade. Divulgar para incentivar o consumo local. O vírus pode estar na embalagem. Lava tudo. Esteriliza. Será que já peguei e estou imune? Posso ser assintomático.
Aprender a mexer no Zoom, no Hangouts, GoogleMeetings. Entender que é educado desativar o microfone enquanto não fala durante uma reunião. Baixar o TikTok. Não usar o TikTok. Ouvir música, fazer exercícios em casa e um detox de política. Comer, comer, aprender a cozinhar. Dormir. Ter sonhos esquisitíssimos. Comer de novo. Vigiar quem furou a quarentena. Cancela. Descancela. Cancela o cancelamento. Já se olhou no espelho hoje? Cortar ou não o cabelo? Cala a boca. Isso é o de menos. Ver o lado bom da quarentena. Gostar da quarentena. Colocar em dia séries, filmes. Discutir sobre o uso de um medicamento, sendo que nem médico sou. Faxinar, doar roupas. Ficar puto com loja de roupas. Roupa nova pra ficar em casa? Ficar com pena das lojas de roupas. São trabalhadores, empregam e sustentam famílias. Só estão tentando sobreviver. Assim como nós. Exercitar a empatia. Ficar esgotado e se sentir mal pela desigualdade e privilégios escancarados numa pandemia. Parar de postar comida nas redes sociais por achar que é ofensivo. Aliás, postar o que? Bateu, doeu, pega que é seu. Posta nada.
Meu Deus. Tem gente passando fome. Aliás, sempre teve, né? Mas piorou. Doar alimentos. Doar dinheiro. Poupar dinheiro. Socorro. Como faz para ficar são?
Quem diria que de uma hora para a outra a vida viraria de cabeça para baixo e algumas verdades ou hábitos cairiam por terra? O que nos é essencial? Como quero seguir daqui pra frente? A começar, deixando de seguir alguns. Um beijo e um queijo. Ainda não sou intolerante à lactose.
Bernardo Dugin é ator e diretor. Jornalista por formação (Puc-Rio), escreve quando dá na telha.