* Por Wanderley Costa

“Faltavam só quatro minutos”. Muita gente repetiu essa frase em 9 de dezembro. Naquela tarde, numa prorrogação suada, o Brasil quase venceu a Croácia por 1×0 em plena Copa do Mundo. Erros táticos de um lado e contra-ataque certeiro do outro, porém, garantiram a Petkovic o gol de empate. A decisão da partida ficou para os pênaltis e o resto da história você já sabe: quarta bola carimbada na trave, Seleção Canarinho eliminada.

Quem não se lembra da cena em que Tite, técnico brasileiro, marcha para o vestiário e abandona seus atletas desabando no gramado? A postura foi criticada mundo afora e simbolizou um contraste quase extremo. Isso porque, na mesma semana, o Japão também havia sido despachado pelo esquadrão croata. O técnico Hajime Moriyasu, no entanto, agiu como um líder nato. Além de acolher seu time na derrota, ele se dirigiu à arquibancada japonesa, se inclinou e reverenciou a torcida. Não cabe a mim emitir qualquer julgamento de valor, mas o que conta aqui é a atitude de Tite – de ter abandonado o time em campo em um momento tão difícil.

Está aí, então, uma lição clara: seja no futebol ou no mercado, nas vitórias ou impasses, liderar com excelência requer expertise, objetivos bem definidos, estratégia e capacidade de cuidar das pessoas. Mas líder cuidador não significa excesso de protecionismo! Na realidade, a meritocracia e a mensuração de resultados são a base do líder que entende, assim como um pai, que o filho dele é a razão, mas  não tem sempre razão. Uma diferença bastante relevante, percebe? Quando os gestores entendem isso, automaticamente compreendem que, muitas vezes, é preciso tomar medidas difíceis, para seguir cuidando da sua equipe como um pai.

A Innovators Community, do Fórum Econômico Mundial, citou “compaixão” entre as habilidades de líderes que querem alcançar ou se manter no topo do mercado atual. Já levantamento da McKinsey apontou que, numa escala de efetividade com 89% de sucesso, “ser apoiador e solidário” são características essenciais aos CEOs de destaque.

Você pode, sim, ser um deles. Confira, neste artigo, cinco questões cruciais para se aprofundar no assunto:

Qual o foco da cultura organizacional? – É consenso no meio empresarial que “pessoas são os ativos mais importantes de uma empresa”. A expressão já é quase que um clichê, mas é sempre um lembrete importante. Afinal, muito além de “força de trabalho”, a equipe é a energia que faz a organização acontecer. Pense bem: haveria estratégia, processos, negócios e inovação sem ela? Um líder jamais conseguiria fazer tudo sozinho. Por isso mesmo, toda tomada de decisões deve ter como termômetro seu impacto sobre as pessoas. Ou, como bússola, o bem-estar e a segurança delas.

Esse é o cerne da liderança cuidadora e vale, inclusive, para o relacionamento com o público externo. Assim como Moriyasu reverenciou a torcida japonesa, “acene”  para quem escolhe sua marca no mercado, estimule canais para que essas vozes sejam ouvidas, valorizadas e atendidas. A gestão cuidadosa começa, na realidade, com a implementação de uma cultura organizacional mais humana – em todos os sentidos.

Você (realmente) ouve sua equipe? – Uma pesquisa global da Octanner traz resultados interessantes. Segundo o levantamento, 79% dos líderes entrevistados disseram compreender o que seus colaboradores esperavam da empresa. Ironicamente, no entanto, só 48% deles concordaram com a afirmação. O gap entre uma percepção e outra pode ser explicado pela ausência de escuta ativa. Isto é, pela falta de habilidade (ou pela resistência) em ouvir o que seu time tem a dizer.

Com mente aberta, ouvidos atentos e interesse real por feedbacks da equipe, você estimula a transparência no workplace. Nada mais benéfico na elaboração de estratégias e até na gestão de crises.  Chegou a hora de trocar o “eu acho” por “realmente compreendi”.

O segredo da escuta ativa é, de fato, parar e estar totalmente concentrado no que o colaborador está comunicando. Mas ela precisa andar de mãos dadas com a  empatia e a humildade. Aquele que é dono da razão nunca ouvirá realmente o que precisa, mas apenas o que deseja ouvir para reforçar suas crenças. E isso é exatamente o oposto do líder cuidador, que traz consigo a visão de que pode aprender com todos, a qualquer momento, pois o time é composto por especialistas nas diversas funções.

Que relações você tem construído? – Repita comigo: a liderança cuidadora não é um dom inato. É, como prefere chamar a palestrante e escritora Heather R. Younger, uma arte. Isso significa, para terror de quem acredita em fórmulas prontas, que ela deve ser aprimorada – inclusive com desconstruções importantes.

Mais do que “se colocar no lugar do outro”, é preciso reconhecer quem está no seu entorno. Ou, em outras palavras, substituir o poder absoluto e centralizador por confiança no talento e desempenho de seus pares. Está aí um mindset que dilui hierarquias rígidas para dar lugar a relações fluidas, horizontalizadas e saudáveis.

O ambiente de trabalho, como vai? – Acredite: zelar pelas pessoas e criar um workplace leve pode ser um diferencial competitivo. A conclusão vem de pesquisa global da Deloitte. De acordo com o levantamento, 95% dos gestores de RH associam excesso de trabalho e burnout à perda de profissionais no staff. Por isso mesmo, 80% dos entrevistados também acreditam que o bem-estar de suas equipes deve ser prioridade na estratégia organizacional.

É hora de avaliar, então, que tipo de cenário é construído na organização. O ambiente é competitivo ou de inovação colaborativa? Como anda a saúde mental dos colaboradores? A diversidade é respeitada? Talentos são reconhecidos? Esforços são recompensados?

Vale lembrar que o dinheiro continua, obviamente, sendo fundamental, mas está claro que não é suficiente para reter os melhores talentos. Mais do que nunca, os colaboradores estão dando mais valor a condições que não estão vinculadas somente ao valor de seu salário líquido. Horários de trabalho flexíveis, auxílio creche, descansos remunerados e espaços de lazer na empresa, por exemplo, são alguns dos benefícios do que chamamos de salário emocional (ou seja, recompensas não materiais). Reconhecimento e treinamentos também entram nessa conta. Estes aspectos, aliás, são essenciais para que o colaborador enxergue um propósito em seu trabalho, então é preciso que tudo isso seja visto com atenção.

Sua liderança inspira? – O genial Daniel Goleman é conhecido por incorporar e popularizar, nos debates sobre gestão, o termo inteligência emocional. E o conceito segue tendo desdobramentos.

Em um artigo para a Korn Ferry, por exemplo, Goleman explica que o líder emocionalmente inteligente é justamente aquele que, mesmo em cenários de volatilidade e competitividade no mercado, consegue dedicar parte de sua agenda ao cuidado genuíno de seus pares. Assim como em uma partida de futebol, o líder da equipe precisa saber de que lado da mesa ele está – se está com os críticos – que fazem muito bem seu trabalho – ou se está com o vestiário, que é o lado de quem assume as responsabilidades pelos resultados não apenas quando são positivos, mas principalmente quando são duros.

Em momentos de grandes resultados, os líderes ficam atrás e a equipe é aplaudida à frente. Já nos momentos de crise, deve ocorrer o inverso: a  equipe fica atrás da sua liderança, que tem a função primordial de apoiar seu time e assumir a responsabilidade de liderança cuidadora.

Não é difícil imaginar, a partir dessa perspectiva, que uma postura assim é inspiradora, cativante e engajadora. As sementes para relações organizacionais cooperativas, aliás, são cultivadas justamente nesse terreno de propósito comum. 

Na prática, a liderança cuidadora está nos detalhes – e eles fazem toda a diferença. 

*Wanderley Costa é diretor comercial e de operações da S.I.N Implant System