Por Bruno Cavalcante*

As ameaças e a ocorrência recente de vários episódios de violência envolvendo estudantes e escolas colocou a sociedade brasileira em alerta. Medo, desinformação, choque e reflexões se misturam na tentativa de buscar explicações e soluções. É uma questão de implicações profundas, mas que infelizmente teve uma trajetória construída ao longo de décadas, com uma cultura ocidental baseada em guerras, colonização, escravização, falta de acesso a direitos e políticas públicas, desigualdade e exclusão. Se em outros países já era um problema que apontava para a falência de abordagens ultrapassadas em educação, é fato que não demoraria a chegar por aqui, agravado por condições extremas.

Em anos recentes, tivemos no país o crescimento do estímulo ao cultivo do ódio e da posse de armas como forma de defesa do cidadão. Junte-se a isso a histórica marginalização das periferias, o desequilíbrio socioeconômico estrutural, desemprego, intolerância e confronto de ideologias, gerando uma polarização intensa entre a população. Todo esse contexto é potencializado pelas redes sociais e sua capacidade para amplificar movimentos, falas e informações, corretas ou falsas, para o bem e para o mal, e tem-se a receita das tragédias – inclusive as escolares.

Mas para além desse cenário conjuntural, é preciso um olhar mais atento à maneira como estamos, há muito tempo, educando – ou não – nossas crianças e jovens. A  educação “tradicional” comumente vem pautada por uma cultura de silenciamento, disciplina imposta pelo temor, ausência de interação, estudantes fechados em salas de aula superlotadas, com professores com péssimas condições de trabalho. Tudo isso desencadeia um campo de pólvora onde qualquer faísca começa a pipocar a violência cada vez mais profunda.

Os estudantes “formados” nessa abordagem conteudista e reducionista – e que comumente não enfatiza a aprendizagem de habilidades emocionais e interpessoais essenciais para a vida em sociedade – tornam-se presas fáceis dos discursos que pregam a violência como meio de escape. É a emoção acumulada, advinda da ansiedade, tristeza, depressão, falta de sentido na vida, que precisa ser desopilada de alguma forma, e acaba derivando em extremos e fatalidades.

Há décadas, especialistas e educadores do mundo todo desenvolvem conceitos, metodologias, práticas e pesquisas, trazendo propostas que orientem e promovam transformações profundas na educação. Pesquisas acadêmicas comprovam a eficácia de práticas pedagógicas voltadas ao desenvolvimento integral de crianças, jovens e adultos, e que incluam aprendizagem socioemocional para cooperação e colaboração, empatia e bondade, autocuidado e autoconsciência, iniciativas de cuidado com o território, com as questões sociais, culturais e ambientais. São medidas que favorecem o aprendizado, melhoram o clima escolar, criam um ambiente de cooperação, reduzem a agressividade, o bullying e a evasão escolar. Até por isso, há respaldo legal para que se desenvolva essa abordagem pedagógica, inclusive no Brasil.

E existem experiências bem-sucedidas para destacar também por aqui, com resultados visíveis. Nos últimos 25 anos, a Evoluir já implementou projetos em centenas de escolas da rede pública por todo o país, com o objetivo de promover a educação integral, por meio do desenvolvimento de cinco competências básicas e fundamentais para todo ser humano.

A partir da competência Mergulhar em si, promovemos habilidades e atitudes voltadas para a autoconsciência, autocuidado e equilíbrio emocional. Já na Voz ativa, trabalhamos a expressividade, argumentação, escuta ativa e empática e capacidade do diálogo, além da comunicação não violenta.

Com a competência Fluir em equipe, abordamos a aprendizagem social, a inteligência interpessoal, habilidades de relacionamento, aprendizagem em grupo e propósito coletivo. Outra aprendizagem é Entender o mundo, com elementos para estimular a consciência crítica, a compreensão da complexidade, o pensamento sistêmico  e holístico, das diversas dimensões da realidade na qual estamos inseridos.. Por fim, a competência Agir consciente abrange a postura ética e criativa, a liderança democrática, a corresponsabilidade e o engajamento comunitário e global , para a promoção do bem comum.

Como exemplo, no projeto Heróis em Ação, já implementado em 31 instituições sociais e pedagógicas da rede pública em todo o país, fomentamos uma visão ativa, onde os estudantes têm liberdade para definir o que eles querem desenvolver com base nas demandas de seu território. Já no Construindo Música, usamos a educação musical para ampliar o repertório dos educadores, deixando as aulas mais atraentes, dinâmicas e interessantes. Em todos os projetos, o objetivo final é sempre promover as competências voltadas para a evolução pessoal e social, permitindo aprender a ser, conviver, fazer e transcender.

Em síntese, a violência não chega no âmbito das comunidades escolares apenas por uma via externa. É responsabilidade dos sistemas pedagógicos educar para a cultura de paz e para o bom convívio, para a resolução e mediação de conflitos. Inovar na educação é compreender o ser humano em sua integralidade e planejar as práticas pedagógicas incorporando todas as suas dimensões. E a boa notícia é que existem metodologias consolidadas e respaldadas cientificamente para apoiar essa nova abordagem. É o caminho viável e eficaz para evitar que mais tragédias se repitam. 

*Bruno Cavalcante integra a área pedagógica da Evoluir e possui mais de 20 anos de experiência na formação de educadores e na implementação de projetos socioeducativos, socioculturais e socioambientais. É formado em Geografia, com licenciatura em Educação e Pós-graduação em Psicologia Transpessoal.