Dados do Portal Transparência de Registro Civil mostram que, nos 10 primeiros meses desse ano, 63.687 recém-nascidos foram registrados somente com o nome da mãe em todo o país. Além disso,  uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, com dados de 2022,  revelou que 11 milhões de mulheres brasileiras são mães que criam os filhos sozinhas, assumindo todas as responsabilidades materiais e afetivas sobre as crianças.

Até final de outubro deste ano, a legislação previa apenas obrigações de sustento guarda e educação dos genitores. Mas, foi sancionada uma nova legislação, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir o dever de assistência afetiva por parte dos pais, tipificando o abandono afetivo como ato ilícito. Com a Lei, os pais passam a ter o dever legal de prestar assistência afetiva aos filhos, por meio de convivência ou visitação periódica, possibilitando o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da criança ou do adolescente.

A advogada especialista em Direito Familiar e Presidente da Comissão Nacional de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Dra. Fernanda Las Casas, explica que a lei vem preencher uma lacuna do sistema judiciário. “Antes da legislação específica, não havia previsão legal para indenizações por abandono afetivo. Embora algumas ações judiciais tenham sido impetradas, com resultados favoráveis, a jurisprudência oscilava”, relata ela.

Dra. Fernanda Las Casas lembra que o debate chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde uma decisão da ministra Nancy Andrighi negou novas indenizações, argumentando que “o amor não pode ser imposto judicialmente.” Assim, pais que cumpriam suas obrigações financeiras, como o pagamento de pensão, mas negligenciavam o cuidado, a atenção e as visitas aos filhos, não eram legalmente responsabilizados, mesmo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelecesse a importância desses aspectos. “Essa legislação visa proteger os direitos das crianças, reconhecendo a importância do convívio familiar e do cuidado parental. A nova lei possibilita a indenização por danos morais aos filhos que sofrem com a ausência e a negligência afetiva de se us pais, mesmo que estes cumpram suas obrigações financeiras” explica Dra. Fernanda Las Casas.

O dever de cuidado e suas dimensões

Conforme a nova lei, a assistência afetiva inclui:

contato e visitação regular para acompanhar a formação psicológica, moral e social;

orientação sobre escolhas importantes (educacionais, profissionais);

apoio em momentos difíceis; e

presença física quando solicitado, se possível.

Se a Justiça comprovar a omissão ou o abandono afetivo, pais ou responsáveis poderão ser obrigados a pagar “reparação de danos” (indenização) pelo mal causado, além de estarem sujeitos a outras sanções.

O que muda na prática no Judiciário?

A importância da nova legislação, segundo a Dra. Las Casas, está em eliminar a discussão sobre a obrigatoriedade do afeto. “O que muda na prática é que não há mais discussão sobre a  licitude da cobrança da indenização, mas a comprovação do abandono afetivo, mostrando as ausências nos aniversários, formaturas, reuniões escolares, consultas médicas, convivências nos finais de semanas e nas férias, no auxilio na formação moral e emocional da criança”, finaliza Dra. Fernanda Las Casas.

Sobre a Dra. Fernanda Las Casas

Advogada e pesquisadora. Doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Mestra em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP) e Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Superior de Advocacia  (ESA/SP).

Professora de Direito Civil, Digital, Bioética e Família nos Cursos de Pós-Graduação do EBRADI, da Universidade Estadual de Londrina – UEL, Curso Damásio e Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.

Autora do livro: “Família: mitos ancestrais e crise da maternidade”, da Editora Foco, fruto de sua tese de Doutorado pela USP.

É coautora em 18 livros,  sendo coordenadora em 3 e organizadora em 1.

Presidente da Comissão Nacional de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).