Por Rodrigo Silva

A ascensão da Inteligência Artificial (IA) tem gerado um debate intenso sobre o futuro do trabalho e o papel dos seres humanos nas organizações. O receio predominante é o da substituição em massa, onde máquinas inteligentes tornariam obsoletas as capacidades humanas. No entanto, uma perspectiva mais promissora e estratégica emerge quando consideramos a IA não como uma substituta, mas como uma poderosa ferramenta de ampliação da cognição humana. As organizações que souberem navegar por essa nova realidade, utilizando a IA para potencializar a diversidade cognitiva de suas equipes, estarão mais preparadas para inovar e prosperar em um cenário de complexidade crescente.

A ideia de que a tecnologia pode estender nossas mentes não é nova. Filósofos como Andy Clark, em seus trabalhos sobre a “mente estendida”, argumentam que os seres humanos são “ciborgues natos”, constantemente integrando ferramentas externas para aprimorar suas capacidades cognitivas. Desde a invenção da escrita, que Platão temia que atrofiaria nossa memória, até as calculadoras e smartphones, temos uma longa história de terceirização de funções mentais para artefatos externos. A IA generativa representa o próximo passo nessa evolução, um salto quântico na forma como podemos aumentar nossa inteligência.

O verdadeiro potencial da IA nas organizações não reside em replicar a inteligência humana, mas em complementá-la. Como destacam David De Cremer e o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, em um artigo para a Harvard Business Review, devemos pensar em uma “Inteligência Aumentada”. Essa abordagem combina a Inteligência Artificial, rápida, precisa e racional, com a Inteligência Autênticados humanos, intuitiva, emocional e culturalmente sensível.

A Inteligência Artificial é excelente em tarefas de sistema fechado, como processar grandes volumes de dados e fazer previsões com custo marginal próximo de zero, transformando a incerteza em um componente gerenciável da estratégia de negócios. Já a Inteligência Autêntica é insubstituível em sistemas abertos, que exigem criatividade, pensamento crítico, empatia e a capacidade de navegar em ambiguidades e contextos complexos.

É nesse ponto que a IA se torna uma catalisadora da diversidade cognitiva. A diversidade cognitiva refere-se à pluralidade de como as pessoas pensam, processam informações e resolvem problemas. Equipes com alta diversidade cognitiva são mais inovadoras, criativas e eficazes na resolução de problemas complexos. Elas evitam o pensamento de grupo e exploram um leque mais amplo de soluções. O risco de não promover essa diversidade é a estagnação e a incapacidade de se adaptar a um mundo em constante mudança.

Então, como as organizações podem, na prática, usar a IA para fomentar essa diversidade? Primeiramente, a IA pode assumir tarefas cognitivas rotineiras e de baixo valor, liberando os profissionais para se concentrarem em atividades que exigem julgamento, criatividade e interação social. Ao automatizar a análise de dados brutos, por exemplo, a IA permite que equipes multidisciplinares dediquem mais tempo ao debate estratégico e à interpretação dos insights gerados, onde suas diferentes perspectivas podem enriquecer a decisão final. O modelo mental proposto em “Prediction Machines” é claro: a IA fornece a previsão, mas o julgamento, a ação e o feedback continuam sendo domínios eminentemente humanos.

Em segundo lugar, a IA pode atuar como uma ferramenta para mitigar vieses inconscientes que limitam a diversidade. Algoritmos bem projetados podem ajudar a identificar padrões de contratação e promoção que desfavorecem certos perfis cognitivos, ou mesmo analisar a comunicação interna para garantir que diferentes vozes estejam sendo ouvidas. A IA pode, paradoxalmente, nos ajudar a ser mais humanos e justos, ao expor os pontos cegos em nossos próprios processos de pensamento.

O exemplo do xadrez freestyle, citado por Kasparov, é emblemático. O torneio não foi vencido pelo grande mestre com o supercomputador mais potente, mas por jogadores amadores que demonstraram um processo superior de colaboração com suas máquinas. A lição para as organizações é clara: o sucesso não virá da simples aquisição da tecnologia mais avançada, mas da criação de uma cultura e de processos que promovam uma simbiose eficaz entre humanos e IA. Isso exige uma nova forma de liderança, focada em orquestrar essa “nova diversidade” de equipes compostas por humanos e não-humanos, garantindo que a colaboração seja fluida e produtiva.

Em suma, a narrativa da substituição é uma visão limitada e empobrecedora do potencial da Inteligência Artificial. Ao abraçar o conceito de cognição ampliada, as organizações podem transformar a IA em um motor para a diversidade cognitiva, criando um ambiente onde a inteligência humana não é descartada, mas sim potencializada. O futuro do trabalho inteligente não é uma competição entre homem e máquina, mas uma colaboração estratégica. As empresas que entenderem e cultivarem essa parceria construirão não apenas negócios mais eficientes, mas também organizações mais resilientes, inovadoras e, fundamentalmente, mais humanas.

* Rodrigo Silva é CIO, Conselheiro e associado da  Conselheiros Trends Innovation