Por Anor Sganzerla

Um dos maiores desafios da atualidade diz respeito às questões climáticas, que afetam de forma profunda, ampla e interconectada todas as dimensões da vida no planeta: ambiental, política, social, econômica, ética e existencial. Seus efeitos – a exemplo do aumento da temperatura média global, elevação do nível dos oceanos, secas, enchentes, e furacões -, atingem todo o planeta. Além disso, não afetam apenas o tempo presente, uma vez que comprometem a vida das gerações futuras. Trata-se de um desafio ético por excelência, que exige responsabilidade coletiva intergeracional, respostas imediatas, estruturais e coordenadas.

Mas infelizmente a unanimidade ainda não existe, uma vez que pessoas e grupos econômicos e políticos contrários à ciência negam a chamada emergência climática – um problema político que exige vontade e ação por parte dos governos, empresas e sociedade, e um desafio ético que envolve escolhas morais para proteger a natureza e o próprio ser humano dos interesses econômicos. Desse modo, uma ética em vista do futuro humano não significa uma ética a ser praticada no futuro, mas sim uma escolha e uma prática ética do presente para que esse futuro humano possa continuar a existir com qualidade de vida, respeitando o direito humano de viver em ambiente natural saudável.

É nesse contexto em que se passa a reconhecer uma estreita conexão entre saúde ambiental, social e cultural com a saúde humana que nasce a bioética ambiental. Com ela buscou-se mostrar que a saúde humana está diretamente relacionada com a saúde do ambiente, da sociedade e da cultura, e, por isso não é mais possível pensar o bem-estar humano, independentemente do ambiente que está inserido. Com a degradação ambiental, também ocorre a degradação humana e social.

A bioética ambiental nasce com o propósito de ser uma nova sabedoria, uma nova visão de mundo frente ao modelo de progresso e de desenvolvimento econômico que tem comprometido a sobrevivência humana e da biosfera futuras com qualidade de vida. Sua crítica emerge como um grito de alerta diante dos excessos da tecnociência, da lógica do crescimento ilimitado e da exploração desenfreada dos recursos naturais. A bioética ambiental desvela os limites éticos de um paradigma antropocêntrico que, ao longo dos séculos, que colocou o ser humano acima da natureza, negligenciando sua interdependência com o todo vivo.

Mas não se trata apenas de denunciar: a bioética ambiental também propõe alternativas. Ela aponta caminhos, convoca à responsabilidade, abre-se ao diálogo entre as diferentes ciências e atores, sugere uma nova maneira de habitar o mundo. Nesse sentido, ela é uma esperança. Uma esperança de um reencontro entre humanidade e natureza, de um modo de vida que respeite os ciclos da vida, os direitos humanos, os direitos das futuras gerações e a dignidade de todos os seres vivos.

E, ao mesmo tempo, é utopia viva, não no sentido de algo inalcançável, mas como um horizonte ético que orienta as ações presentes. A utopia aqui é concreta, pois exige mudanças de mentalidade, de valores, práticas e de novas políticas. Ela nos convida a imaginar e a construir um mundo onde o cuidado, a solidariedade entre as espécies e o reconhecimento dos limites ecológicos sejam princípios norteadores das decisões humanas.

*Anor Sganzerla é Doutor em Filosofia e organizador dos livros “Bioética Ambiental” e “A Bioética de V.R. Potter: 50 anos depois”, editados pela PUCPRESS, editora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).