“As crianças, mesmo doentes, só querem continuar a ser crianças”, diz escritora de livros infantis
Nem sempre é fácil manter o otimismo durante o enfrentamento de doenças. Isso pode ser ainda mais desafiador para crianças, que muitas vezes não entendem a gravidade da situação ou o que está acontecendo. Voluntária na oncologia pediátrica de um hospital, a escritora Ana Paula de Abreu dedicou tempo a contar histórias com mensagens de esperança para os pacientes internados. Quando percebeu como as narrativas transformavam o dia dos pequenos, decidiu publicar um livro em que a personagem também está na luta contra o câncer infantil.
Assim surgiu Cabelo de Estrelas, inspirado nas experiências que a autora teve ao lado de crianças e suas famílias. Entre as ilustrações sensíveis em aquarela, pintadas pela artista Ana Cardia, a autora narra a trajetória de uma menina que se vê no espelho e, por estar com alopecia devido à quimioterapia, imagina seu cabelo das formas mais criativas, com estrelas, flores e conchas do mar.
Nesta entrevista, a especialista em Literatura Infantil e Psicologia Positiva fala sobre o poder da literatura para ajudar as crianças em momentos difíceis, além de lições de vida que aprendeu no voluntariado. Confira na íntegra:
1. Em “Cabelo de Estrelas”, você leva uma mensagem de otimismo e esperança para as crianças com câncer enfrentarem os dias escuros. Na sua visão, qual o papel da literatura para ajudar os pequenos leitores e suas famílias nesse momento desafiador?
A literatura ajuda a criança internada a ter um tempo de lazer, a voltar a imaginar e a ser criança. Sendo a protagonista uma menina com câncer, o livro também funciona como uma inspiração, um alento, uma identificação com a criança que pode perceber que ela não é a única a passar por este desafio, e que este tempo difícil é doloroso, sim, mas ele também passa. O livro traz uma mensagem de esperança, de usarmos nossos vagalumes interiores para enfrentarmos os dias escuros.
2. Você foi voluntária de uma oncologia pediátrica de um hospital, onde lia histórias para as crianças internadas. Como essa experiência inspirou a sua trajetória enquanto escritora?
Um dia me chamaram no hospital porque uma criança tinha lido um livro meu e, como viu que a autora era da mesma cidade, quis me conhecer. Neste dia, levei meus livros e li as histórias para ela. A partir disso, comecei a frequentar o hospital semanalmente para ler para as crianças internadas na ala oncológica. Essa experiência me fez ver a importância da literatura no âmbito hospitalar. Então, comecei a pensar em escrever uma história cuja protagonista estivesse enfrentando a doença, assim como essas crianças.
3. Você tem pós-graduação em Literatura Infantil e Psicologia Positiva. Na sua opinião, qual a importância de falar abertamente com as crianças sobre o câncer infantil, um tema tão difícil de abordar?
Muitas vezes, não abordamos os temas difíceis com as crianças por receio de como vão receber as informações. Porém, esse medo nosso gera mais insegurança e ansiedade nelas. Elas sabem que algo está acontecendo (no caso de uma doença, por exemplo), mas o fato de não entenderem sobre o problema, aliado ao fato de saberem que estamos escondendo informações, é muito mais prejudicial do que conversarmos sobre o tema. A literatura é uma ótima ferramenta para iniciar esse tipo de conversa.
4. Qual foi a maior lição que você aprendeu ao interagir com crianças em tratamento contra o câncer, e como essa lição influenciou sua perspectiva sobre a vida?
Aprendi que as crianças, mesmo doentes, só querem continuar a ser crianças. Querem poder criar, imaginar, brincar, mesmo numa cama de hospital. Aprendi que devemos dar valor à nossa saúde e passar mais tempo com as pessoas que amamos, pois nunca sabemos o que o futuro nos reserva.
5. Conte um pouco mais sobre o projeto “Boneca Esperança”, uma bonequinha de turbante confeccionada para ajudar crianças com câncer. Como a iniciativa está contribuindo nesse sentido?
A Boneca Esperança é um projeto que conheci enquanto escrevia o livro, de uma mãe, a Valeria Krelling, que criou a boneca para ajudar no tratamento de câncer da sua filha. Hoje, a própria mãe que faz as bonecas passa por um tratamento de câncer de pâncreas. As bonecas continuam a ser vendidas para ajudar neste tratamento. Para cada boneca vendida, uma é doada para alguma instituição. A Boneca Esperança aparece no livro, dando conforto à personagem principal da história.
Sobre a autora: Ana Paula de Abreu sempre gostou de escrever histórias, mas só foi transformar a escrita em carreira após o nascimento da filha, quando se aproximou das narrativas infantis. Hoje, já tem 14 livros publicados e mais de 600 mil cópias vendidas. A escritora também é pós-graduada em Literatura Infantil e Psicologia Positiva e cursa a pós-graduação em Neurociências, Desenvolvimento Infantil e Educação.