Bagagem invisível: desafios psicológicos da imigração

Por Marcos Torati
A experiência da imigração, em especial quando motivada por deslocamento forçado, transcende a mera mudança geográfica. Ela representa uma profunda transformação na vida do indivíduo, marcada por desafios emocionais complexos e multifacetados.
Com o agravamento da crise migratória – devido às medidas do governo norte-americano -, a saúde mental do imigrante é colocada cada vez mais à prova. Segundo um aviso do Federal Register, o governo dos Estados Unidos irá revogar o status legal de 530 mil imigrantes no país a partir de 24 de abril.
A metáfora da “bagagem invisível” ilustra a intrincada teia de questões psicológicas que os imigrantes carregam consigo ao se estabelecerem em um novo território. Sem uma rede de apoio sólida, o imigrante se torna o depositário de suas memórias, heranças culturais e ancestrais, um fardo que pode se tornar esmagador.
O deslocamento forçado expõe o indivíduo a dois tipos de crises interligadas: a crise por perda e a crise por aquisição. A primeira se refere ao luto pelos elos e laços rompidos com suas origens – terra, cultura, idioma, família e amigos. A segunda emerge da necessidade de reconstruir a própria identidade e existência diante de uma nova realidade, muitas vezes hostil e desconhecida. Esse processo é invariavelmente permeado pelo luto, uma resposta natural à perda de uma realidade familiar.
O acolhimento psicossocial se torna, portanto, uma necessidade para os refugiados e imigrantes em geral. É impossível se historicizar e reconstruir a própria narrativa sem suporte humano, um desafio ainda maior em um ambiente culturalmente dissonante. O choque cultural, agravado pela ausência de acolhimento, pode envolver o imigrante em um profundo sentimento de angústia, levando a estados psicológicos de despersonalização, marcados por confusão e sensação de irrealidade.
A solidão é uma constante na experiência do deslocamento forçado. A impossibilidade de processar o sofrimento psíquico pode abrir caminho para um espectro de sintomas debilitantes, que vão desde a anedonia, a depressão profunda e o isolamento social, até os transtornos de ansiedade e de estresse pós-traumático (TEPT), podendo, em casos extremos, culminar em ideações suicidas.
Refugiados vs. Migrantes Voluntários
Além disso, saliento que a condição de refugiado difere substancialmente da de um migrante voluntário. A diferença reside na intencionalidade: a migração voluntária é planejada, enquanto a involuntária é uma fuga de situações que comprometem a integridade física e mental.
Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), cerca de 122,6 milhões de pessoas, entre janeiro e junho de 2024, tiveram que se deslocar de maneira forçada para fugir de violência, violações dos direitos humanos, conflitos, perseguições e outros eventos que afetam seriamente a ordem pública.
No primeiro caso, a motivação é a busca pelo melhor, no segundo, a questão é a evitação do pior, envolvendo o desarraigamento abrupto dos elos afetivos que ligam o imigrante com sua terra, povo, cultura, idioma, família, amizades e bens. Existe também um diferencial significativo na saúde mental de imigrantes documentados em comparação com os indocumentados.
Os indocumentados são mais propensos a viver em um estado mental de alerta constante, permeado por paranoias e ansiedades persecutórias, devido ao medo de serem detidos e deportados. Eles são mais propensos a se sujeitar a abusos sociais e laborais para evitar o risco de serem exilados. Portanto, um dos desafios psicológicos impostos aos imigrantes não documentados é o de tolerar a exclusão, estigmatização e o estado de invisibilidade como membro da sociedade.
A ausência de cobertura ambiental pode mobilizar nesse “imigrante-errante”, literalmente, o medo de cometer erros, de falhar nos empregos e de adoecer em razão da sensação de abandono e desolação. Esses se sentem caminhando sob o fio da navalha, oscilando entre o abismo da depressão e opressão esmagadora da luta pela sobrevivência.
O Impacto da Xenofobia e do Racismo
A xenofobia e o racismo conduzem o imigrante à percepção de que ele é um ser à margem da sociedade. Ser racializado é ainda pior do que a solidão da invisibilidade, pois reforça seu lugar como um membro ilegítimo da comunidade. A xenofobia e o racismo podem levar os imigrantes a se sentirem como invasores indesejados.
Um dos efeitos psicológicos dessa violência é a internalização da mentalidade do agressor, forçando o imigrante a uma reorganização subjetiva diante da hostilidade social, o que pode levá-lo a experimentar sentimentos de culpa e vergonha, especialmente quando enfrenta barreiras linguísticas.
Ademais, imigrantes que são vítimas de preconceito podem enfrentar conflitos identitários. A situação requer deles uma resiliência psicológica, capaz de proteger sua autoestima e autoimagem da influência corrosiva desse ambiente hostil. A impossibilidade de encontrar reflexos de si no outro, e a incapacidade do outro de se identificar com as próprias características, pode instaurar um vácuo existencial no estrangeiro, fomentar a sensação de ser um estranho para si próprio, como algo inumano.
Em suma, o preconceito contra os imigrantes revela como as sociedades estão despreparadas para lidar com as diferenças humanas e as crises humanitárias. No caldo humano da globalização, os desafios da imigração revelam como as nações selecionam os ingredientes da “sopa cultural” conforme seus interesses e necessidades.
*Marcos Torati é Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, com especialização em psicanálise (abordagem winnicottiana) e psicoterapia focal. É supervisor de atendimento clínico e professor e coordenador de cursos de pós-graduação em Psicologia e Psicanálise.