Ler os vivos, por Déborah Simões
Tiago Ferro perdeu sua filha de 8 anos.
E esta obra É um pai que perde a filha. Corrijo: a obra é aquilo que fica nesse/desse pai. Recortes, momentos, datas, registros, pensamentos. Um embaralho, um caleidoscópio do momento em que se desmorona. Assim, num assombro. Ele é o pai da menina morta. Dos acontecimentos que nenhuma vida possui capacidade de suportar. Mas precisa. De repente.
É assim que penso o livro do Tiago Ferro: a perda sem nome, o luto, o tentar recolher tantos pedaços da vida. Como são os dias que restam? Como voltar para a vida a partir de uma situação limite?
Tiago constrói uma narrativa fragmentada, a tentativa de recuperar qualquer elo entre passado e presente, entre morte e vida, entre o pai e o mundo sem sua filha. Este livro revira a gente de várias formas. E faz refletir. Muito. Sobre o luto, sobre paternidade, sobre as lembranças que nos permitem sobreviver ao caos, mas sem a pretensão de trazer qualquer alívio ao leitor. Em alguns trechos, inclusive, o pai mistura-se a outros pais que também passaram pelo fim de tudo. E continuaram.
Um dos pontos que mais me toca durante a leitura: as listas. O narrador, em vários momentos, constrói listas. De medos bobos, de falas da filha, de títulos para o livro, de tratamentos, de doenças, de brincadeiras no playground, entre tantas outras. E elas me tocam porque agrupam o irremediável. Porque listas comuns são sobre coisas de que precisamos comprar ou fazer. Nunca sobre nossos dias. Porque listas comuns têm fim, podem ter seus elementos riscados. As listas dos dias de luto são eternas. E, por vezes, insuportáveis.
“Do que não vai dar pra fazer neste livro:
Trazer a Minha Filha de volta à vida” (p. 35)
Eu li O pai da menina morta abraçando minha filha em muitos momentos.
Acho que é isso que o pai da menina morta tenta fazer, afinal.
O pai da menina morta
Autor: @tiago__ferro
Editora: Todavia
Páginas: 176