“Likes” destrutivos: infâncias roubadas, adultos infantilizados

Por André Naves
Vivemos sob os efeitos de um espelho invertido. De um lado, empurramos nossas crianças para uma vida adulta que não lhes pertence, cobrando performance, estética e consumo. Do outro, nós, os adultos, nos refugiamos em uma infantilidade cômoda, movida a recompensas instantâneas e a uma aversão crescente à complexidade e à responsabilidade. Este aparente paradoxo não é um acaso. É o sintoma mais claro de uma sociedade que abdicou da maturidade em troca do entretenimento; e o preço dessa troca é o futuro de toda uma geração.
O motor dessa engrenagem é um sistema econômico que transformou a atenção em mercadoria e o cidadão em consumidor. As plataformas digitais, com seus algoritmos viciantes, são a mais perfeita expressão desse modelo. Para as crianças, elas vendem a “adultização” como um produto aspiracional, monetizando cada gesto e criando uma legião de pequenos influenciadores ansiosos. Para os adultos, o produto é outro: um fluxo infinito de conteúdo simplificado, debates polarizados e desafios virais que nos mantêm engajados, mas dóceis. Ao nos tratar como crianças que só respondem a estímulos fáceis, o sistema nos infantiliza e, assim, nos torna coniventes com o roubo da infância alheia.
O resultado dessa engenharia social é uma tragédia gritante que se desenrola dentro de casa. O adulto infantilizado, treinado para a gratificação imediata e para a superficialidade das relações digitais, perde as ferramentas essenciais para guiar uma criança no mundo real. Como ensinar o valor da paciência, da resiliência e do pensamento crítico quando nós mesmos estamos presos em um ciclo de dopamina que dura quinze segundos? A criança “adultizada” é, em grande parte, o reflexo de um adulto que não consegue mais exercer a complexa e bela tarefa de ser um porto seguro.
Diante desse cenário, a resposta mais comum é clamar por políticas públicas, leis e regulação. E, sem dúvida, são passos necessários. Temos legislações avançadas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Civil da Internet. O problema é que essas leis são como um software sofisticado tentando rodar em um hardware social e político quebrado. A fiscalização é precária e a execução de políticas públicas falha porque, como sociedade, perdemos o fôlego para projetos de longo prazo. A mesma lógica imediatista que nos prende às telas infecta a gestão pública, que prefere o paliativo vistoso ao investimento estrutural e silencioso.
É aqui que a verdadeira solução se revela, não como um remendo, mas como a única forma de reconstruir nosso “hardware” social: a Educação. Não falo apenas de instrução formal, mas de uma Educação para a vida, que fomente o senso crítico, a inteligência emocional e a ética do cuidado. É ela que pode fornecer as ferramentas — os “anticorpos” — para que crianças e adultos se tornem resilientes à manipulação dos algoritmos e à cultura do consumo desenfreado. Investir em Educação é a forma mais eficaz de quebrar o feitiço do algoritmo.
Portanto, a luta pela proteção da infância é, fundamentalmente, uma luta pelo resgate da nossa própria maturidade. Exige que nós, adultos, tenhamos a coragem de desligar o piloto automático, de buscar a profundidade em vez da distração e de assumir a responsabilidade por construir um mundo onde as crianças tenham o direito de ser, simplesmente, crianças. É um duplo resgate, e um depende inteiramente do outro.
* André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).