Saia para homens deixa bastidores da moda e chega ao horário nobre da televisão aberta

O uso de saias por homens ganhou novo fôlego ao chegar ao horário nobre da TV aberta brasileira, marcando uma transição do universo fashion para o grande público. Para a stylist e psicóloga Marcia Jorge, que atua no mercado da moda desde 1998 e já assinou figurinos para marcas como Grupo Boticário, Avon e Coca-Cola, essa exibição em um personagem de novela não apenas confirma a consolidação de uma tendência estética, como também rompe barreiras culturais importantes.
A inserção de peças tradicionalmente associadas ao vestuário feminino em personagens masculinos da teledramaturgia sinaliza mudanças no comportamento de consumo e na forma como a moda é percebida pelo grande público. Para Marcia Jorge, a difusão do uso da saia fora dos círculos especializados é indicativo de que a estética genderless já ultrapassou a barreira da tendência e passou a fazer parte do repertório cultural contemporâneo. “Quando uma história chega a uma novela de alcance nacional, é porque ela já não pertence mais apenas ao círculo da moda. Ela está acontecendo. Gera polêmica, claro, mas também amplia a permissão social para outras pessoas adotarem esse visual”, afirma a especialista.
O uso de saia por homens não é novidade no circuito fashion. Nas décadas de 1990 e 2000, nomes como Jean-Paul Gaultier, Saint Laurent e Tom Ford já apresentavam a peça em suas coleções, questionando os limites entre o que seria considerado “roupa masculina” ou “feminina”. A partir de 2010, o conceito de moda genderless ganhou força no vocabulário da indústria, e marcas como João Pimenta passaram a incorporar saias em suas propostas para o público masculino.
Para Marcia, que acumula mais de duas décadas de experiência nos bastidores da moda, a peça já circulava com naturalidade em sets de fotografia e produções. “Trabalhei com fotógrafos e maquiadores que usavam saias incríveis. Danilo Borges, por exemplo, sempre aparecia com modelos lindíssimos. Eu ficava enlouquecida, porque é esteticamente impactante”, relata a psicóloga e personal stylist.
Apesar da familiaridade no ambiente criativo, a especialista destaca que a verdadeira quebra de paradigma ocorre quando o look chega às plataformas de comunicação de massa. “A moda é movida a permissões. Quando você vê algo sendo usado em uma novela da Globo, por exemplo, aquilo ganha uma chancela simbólica. As pessoas sentem que agora ‘podem’ usar”, analisa a especialista.
A profissional explica que, do ponto de vista da comunicação de moda, a exibição pública de uma peça historicamente associada ao vestuário feminino funciona como gatilho para que outros públicos se sintam encorajados a experimentar. “Não se trata de algo que será adotado por todo mundo, mas de um sinal de que há espaço para a autenticidade. O personagem em questão é estilista, ou seja, ele expressa essa verdade estética. Isso tem tudo a ver com o processo de caracterização e ajuda a dar legitimidade à proposta”, diz Marcia Jorge.
Marcia também faz um paralelo com outros momentos em que a moda serviu como instrumento de transformação cultural. “A primeira vez que viram Leila Diniz grávida de biquíni foi um escândalo, mas aquilo abriu caminho para que outras mulheres se sentissem no direito de fazer o mesmo. Com a saia masculina, o processo é semelhante. A visibilidade ajuda a derrubar o preconceito”, explica a personal stylist.
Embora reconheça que ainda haja resistência, especialmente fora dos grandes centros urbanos, a consultora avalia que o debate já mudou de patamar. “Hoje falamos de identidade, liberdade de expressão e autonomia estética. A moda tem esse poder de dar nome, corpo e imagem a discussões que muitas vezes ainda não têm espaço em outros campos”, conclui a especialista.