Por Fernando Silva

Desde que comecei a trabalhar com soluções para acesso à água potável, me deparei com uma realidade que se repete em diferentes regiões do Brasil: crianças que adoecem com frequência, famílias que convivem com esgoto a céu aberto, e comunidades inteiras onde a água limpa simplesmente não chega.

Quando falamos de saneamento básico, não estamos falando apenas de infraestrutura. Estamos falando de saúde pública, de combate à desigualdade, de dignidade. Estamos falando, acima de tudo, de vidas.

Recentemente, um estudo do Instituto Trata Brasil revelou um dado alarmante: em 2024, mais de 344 mil pessoas foram internadas no país por doenças associadas à falta de saneamento, doenças evitáveis, como diarréias, hepatite A, leptospirose e dengue. O mais triste é que mais de 11 mil brasileiros perderam a vida por essas causas em 2023. Cada número desse representa um nome, uma história interrompida por algo que já deveríamos ter resolvido há décadas.

Essas doenças atingem com força desproporcional os mais vulneráveis. Crianças de até 4 anos representam 20% das internações, com taxas altíssimas de adoecimento. Os idosos, que já enfrentam naturalmente fragilidades de saúde, também estão entre os mais impactados. E as mulheres, muitas vezes as responsáveis pelo cuidado dos filhos e dos mais velhos, acabam sobrecarregadas, prejudicadas em sua saúde mental e em sua renda. A desigualdade de gênero também passa por esse debate.

O recorte racial e territorial é outro alerta. Pessoas negras, pardas, indígenas e amarelas lideram os números de internações e mortes por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado. Estados do Norte e Nordeste, como Maranhão e Pará, apresentam as maiores taxas de incidência do país. A infraestrutura, ou a falta dela, escancara o abismo social que ainda existe entre os brasileiros.

E tudo isso tem um custo, não só humano, mas também financeiro. O estudo estima que o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta em média R$506 por internação por doenças relacionadas ao saneamento. Universalizar o acesso à água potável e à coleta e tratamento de esgoto poderia economizar quase R$43,9 milhões por ano ao SUS,  e até R$1,2 bilhão a longo prazo. Mas mais importante que o número é o que ele representa: prevenção, eficiência, vidas salvas.

O Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020, tem como meta levar água potável para 99% da população e esgoto tratado para 90% até 2033. Parece ambicioso, mas é o mínimo que devemos fazer. E mais: o tempo está passando. A cada ano de atraso, vidas seguem sendo perdidas e doenças continuam adoecendo as mesmas comunidades de sempre.

O dado que mais me impressiona, no entanto, é este: após 36 meses da implantação do saneamento em uma região, as internações por doenças relacionadas caem, em média, 69%. O efeito é direto, rápido e duradouro. Isso não é apenas dado técnico, é um chamado à ação.

Na Pwtech, temos buscado, por meio de inovação e tecnologia, contribuir para acelerar esse processo. Acreditamos que soluções escaláveis, sustentáveis e acessíveis podem e devem andar ao lado das políticas públicas. Mas nenhuma iniciativa individual substitui a força de um pacto coletivo.

Chegamos a um ponto em que não há mais espaço para tratar o saneamento como pauta secundária. O Brasil que sediará a COP-30 não pode continuar convivendo com esgoto a céu aberto, rios contaminados e famílias sem água limpa. Não se trata apenas de metas técnicas ou de marcos regulatórios, trata-se de escolher em que tipo de país queremos viver.

Como CEO de uma empresa comprometida com o impacto social e como cidadão, reforço que investir em saneamento é investir na base de tudo. Na saúde, na igualdade, na produtividade, na justiça. Que possamos, juntos, transformar essa realidade. O futuro começa pela água.

*Fernando Silva é CEO da PWTech.