Semeando Leitura e Imaginação: Laerte Vargas fala sobre a Tangolomango

Com mais de 30 anos de trajetória como ator e contador de histórias, Laerte Vargas tem levado sua arte a diferentes cantos do Brasil, formando gerações de novos narradores por meio de oficinas promovidas pelo Proler. Agora, ele dá um novo passo em sua missão de espalhar encantamento pelas palavras: inaugurou a Tangolomango, uma Sala de Leitura e Livraria voltada ao público infantojuvenil, no coração de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio. O espaço oferece, além de um acervo cuidadosamente selecionado, encontros semanais com contação de histórias, leitura de contos populares e atividades criativas que prometem despertar a imaginação de crianças e suas famílias. Nesta entrevista, Laerte compartilha como nasceu o projeto, os desafios da iniciativa e os planos para o futuro desse espaço feito de livros, sonhos e narrativas. ( Fotos: João Bosco )
DM – Como você decidiu abrir uma livraria infantil?
LV – Quando concluí o processo de capacitação de empreendedores pelo SEBRAE, fiquei muito instigado em ter meu próprio negócio. Porém, o desejo era de atuar em uma área onde pudesse somar minha bagagem de ator e agente de leitura. Comecei a perceber que a literatura infantil, em geral, ocupa um espaço muito restrito nas livrarias e achei que era hora de propiciar ao pequeno leitor uma outra opção: um local onde pudesse alcançar os livros, sentar ou deitar em um tapete e usufruir do prazeroso exercício de ler.
DM – Qual foi a inspiração por trás disso?
LV – Todo o meu percurso me fez acreditar, cada vez mais, que as histórias, e principalmente os contos tradicionais, transformam o indivíduo. Além de lapidarem o seu caráter, mostram caminhos e saídas para impasses e questionamentos pessoais. A literatura popular, com seus contos de encantamento, facécias e contos de ensinamentos, é uma grande ferramenta de crescimento humano.
DM – O porquê de Nova Friburgo?
LV – Em Friburgo, dei os meus primeiros passos artísticos participando de montagens teatrais, grupos e convivendo com artistas. Quero agora, com a Tangolomango, ser uma referência para aqueles que estão galgando os primeiros passos no mundo da literatura, abrindo espaço para lançamentos de livros, rodas de conversas e trazendo uma leitura instigante e de boa qualidade.
DM – Quais são os tipos de livros mais populares entre as crianças que frequentam sua livraria?
LV – Percebo que existe um movimento maior na busca de sagas de um mesmo personagem. Não é tôa que as editoras estão investindo pesado em obras que têm sequências conduzidas pelo mesmo personagem. Isso revela, na criança, a necessidade de um referencial de herói e lutador incansável. Talvez pela necessidade de um referencial para a vida ou de um modelo paterno.

DM – Como você escolhe os livros que são vendidos na sua livraria? Existe algum critério especial?
LV – É preciso estar atento aos lançamentos, pois, no que tange ao público infantil, o mundo editorial está efervescendo. Geralmente, minhas escolhas são pelas obras que conseguem reunir um grande texto a um primoroso trabalho do ilustrador. Um bom artista gráfico consegue nos mostrar uma outra leitura, além da que o autor nos apresenta. Somos uma livraria diversificada. Nas nossas prateleiras, são encontrados livros das mais variadas vertentes da literatura infantil e que tratam de temas de interesse comum. Temos obras sobre a tradição judaica, ritos africanos, temas étnicos e de aceitação das diferenças do outro, além de evangelismo infantil.
DM – Quais são os eventos ou atividades que você realiza na livraria para as crianças?
LV – Estamos ainda galgando os primeiros passos, mas já contamos com ações bem expressivas. Uma delas, é o Clube de Leitura Cascudo, onde o leitor de 8 a 12 anos, dispõe de descontos permanentes na aquisição de livros. A outra consiste na Lista dos Desejos Literários: ela sugere convida a criança, próximo ao seu aniversário, ir à Tangolomango e escolher os livros que quer ganhar. A partir disso, publicamos cards nas redes sociais para que os convidados saibam que a lista do aniversariante está disponível na Tangolomango.

DM – Quais são os maiores desafios que você enfrenta como dono de uma livraria infantil?
LV – Qualquer profissional que transite pelo mundo da cultura e das artes, encontra dificuldade pela falta de entendimento de muitos pais de que a expressão artística é necessária. Muitos acham que ela pode ser suprimida. Porém, ela é decisiva para o futuro daquela criança, por trabalhar sua sensibilidade e olhar crítico. Com isso, relutam em investir em livros e oficinas infantis. Os que investem, percebem claramente o quanto as artes auxiliam no desenvolvimento da expressão verbal, na maior capacidade de comunicação infantil. Sem dúvida, mais à frente, constatarão que será uma poderosa ferramenta do filho no crescimento profissional.
DM – Como você percebe o impacto da tecnologia na leitura das crianças hoje em dia?
LV – A tecnologia precisa ter o seu espaço, de uma forma comedida. Não é ela que conspira para uma criança não ler e, sim, o ambiente familiar. Uma casa onde os pais não lêem, onde não existe uma ambiência de leitura, dificilmente formará um leitor. Uma casa tem que ter livros saltando das gavetas, espalhados pela casa, sobre as mesas, se oferecendo à leitura. Em contrapartia, não podemos virar as costas para os avanços tecnológicos. É preciso dar um limite às crianças, mas oferecer algo em troca.
DM – Existe algum livro ou série que você recomendaria para pais que estão procurando introduzir seus filhos à leitura?
LV – “Como um romance” do professor e escritor Daniel Pennac, é um livro primoroso e que trata de todas as questões que afligem os pais e educadores quanto à leitura. O autor coloca com clareza, a partir do relato de suas experiências, quais os caminhos para dar vida a um livro e torná-lo pulsante.
DM – Qual é a parte mais gratificante de administrar uma livraria voltada para crianças?
LV – Qualquer atividade que implique em somar fantasia e conhecimento à criança, por si só, já é gratificante. Quando o recurso é a leitura, esse fazer se torna ainda mais prazeroso, pois ler é um ato libertador. Você pode, a partir de um livro, encontrar caminhos que o façam não se sentir tão só no mundo de hoje.
DM – Como você vê o futuro das livrarias infantis em um mundo cada vez mais digitalizado?
LV – Acho que cada uma tem o seu espaço. A digitalização de livros técnicos, tem ajudado muito alunos sem recursos, a partir de pdfs disponibilizados na rede. Também há um alcance maior do conhecimento através das formações profissionais à distância e que dão ao indivíduo a possibilidade do grande salto. Quanto ao livro de papel, ele nunca será extinto pela própria natureza que ele tem: é um amigo que você pode levar na mochila, ler sem estar conectado e viajar sem sair do lugar.
DM – Com tantas crianças neurodivergentes, alguma atenção especial para elas em se tratando de leitura?
LV – As editoras estão colocando no mercado muitas obras que atendem ao universo da criança com TEA, a partir dos livros sociais. São edições que tratam das dificuldades nas ações corriqueiras como: ir à escola, visitar um amigo, cortar o cabelo, situações às quais os filhos possam resistir. Os livros têm fontes maiores, espaçamento adequado entre as linhas e imagens que auxiliam na compreensão do texto. São indicados também para dislexia, TDAH, entre outras manifestações neurodivergentes.
SERVIÇO:
Tangolomango
Praça Presidente Getúlio Vargas, 105/loja 13
Galeria União
Centro – Nova Friburgo – RJ
Visitei a loja e fiquei encantada!