Tudo está à venda? Dramaturgo e poeta Pedro Tancini questiona a objetificação da arte e dos seres humanos em “Teatro à Venda”
Quatro atores encenam uma peça que mais parece um grande comercial de televisão. Eles interpretam a típica “família margarina”: pai, mãe, filho e filha em um cotidiano perfeito anunciando produtos dos mais diversos e miraculosos. Parece que as propagandas invadiram todos os lugares e nem o teatro escapou. É o Teatro à Venda, como provoca o título do livro do dramaturgo e poeta Pedro Tancini, onde tudo pode ser transformado em mercadoria pela lógica capitalista, inclusive a própria arte e os seres humanos.
A obra literária, que teve sua primeira encenação em 2023 pelo Coletivo Parêntesis de Teatro, trata sobre as consequências do sistema na vida de trabalhadores que abdicam de tempo, saúde e individualidade para sobreviver. Em uma tragicomédia que distorce os limites entre ficção e realidade, o autor reflete sobre cultura do consumo, desigualdade, epidemia de depressão, crise ambiental e a insensibilização como projeto social.
Nesta sátira ao mundo maravilhoso das narrativas publicitárias, os leitores são convidados a refletir sobre as contradições do capitalismo. A crítica nasce dos conflitos dos quatro protagonistas que se tornam, ao mesmo tempo, as personagens e os atores que os representam. Aos poucos, desmoronam as percepções de cada um deles sobre a própria existência dentro da máquina de produção de lixo e mentiras onde habitam.
ATRIZ 2: É verdade, filho, a gente fica criando esses problemas imaginários. A gente não sossega, a gente fica imaginando o que seria: o que seria isso, o que seria aquilo. Por exemplo, o que seria da minha vida sem o Aspirador de Pó Vacuum Power X Ultra Anatômico? Não dá nem pra imaginar! Enfim… Só sei que não seria nada! Seria uma vida de uma miséria afetiva enorme. Uma vida feita pra trabalhar, trabalhar e trabalhar, uma vida que só olha pra frente, uma vida ao lado de outras vidas que não olham pro lado, só olham pra frente, uma sociedade que só olha pra frente, olha só, a economia cresceu um e meio por cento, parabéns, suas vidas estão sendo desperdiçadas e vale a pena, vale a pena porque elas são a energia de um sistema, de uma máquina, uma máquina gigante, um aspirador de pó gigante, sugando tudo, tudo, tudo. (Teatro à Venda, p. 58)
O pai descobre que vive uma vida de fachada e, em busca de algum afeto verdadeiro, vende-se pelo telefone. Já a mãe insiste em manter o papel de mulher ideal para fugir da própria infelicidade, até que ela própria se torne uma máquina. O filho, o maior orgulho da família, se mostra um excelente vendedor ao deduzir que não é necessário responsabilidade ou sensibilidade para lucrar nesse mundo de ilusões. A filha, por outro lado, sente-se desamparada porque nenhum produto é capaz de preencher seu vazio e, à procura de um propósito, encontra significado apenas no que é descartado pelo sistema, o lixo.
Pesquisador sobre os impactos do capitalismo nas sociedades do século XXI, Pedro Tancini publica a obra não somente como um retrato da contemporaneidade, mas também como uma maneira de ensaiar caminhos possíveis de superação do sistema. Ele comenta: “Não é difícil criticar o capitalismo. Difícil é ter esperança, quando o sistema está dedicado a nos convencer de que ele é o único possível, que as tragédias que produz são inevitáveis para a existência da civilização. Mas, até para ter esperança, é preciso responsabilidade. E Teatro à Venda é um texto que convida a uma esperança ativa, realizada também pelo poder da arte, da literatura e do teatro”.
FICHA TÉCNICA
Título: Teatro à Venda
Autor: Pedro Tancini
Editora: Coletivo Parêntesis de Teatro
ISBN: 978-65-01-09991-0
Páginas: 96
Preço: R$ 30 (físico)
Onde comprar: Amazon
Sobre o autor: Pedro Tancini é dramaturgo, poeta, ator, diretor, produtor, palestrante e fundador do Coletivo Parêntesis de Teatro. É graduado em Comunicação Social pela ESPM, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo também pela ESPM e dedica-se à pesquisa sobre os impactos do capitalismo contemporâneo nas sociedades do século XXI. Como autor, já escreveu oito peças de teatro, publicou o livro de contos “Nove Autores – Nova Histórias” e a edição “Erramos” da revista literária “Moreia” junto de outros escritores. Teve, ainda, dramaturgias, poemas e crônicas selecionados por diversos editais e premiações. Em 2024, com apoio do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas, lança o livro de dramaturgia Teatro à Venda, o livro de dramaturgia “Professores Online” e o livro de poesia “Poemas de Plástico”.