Por Guilherme Renso

Vai ser difícil pra mim, a televisão em pessoa, não ter mais a presença daquele que ficará associado, eternamente e dentro dos nossos corações, como a minha imagem e semelhança. E pensar que tudo começou pelo meu primo. Lembra? Os fiscais de camelô, lá em 1944, não aguentavam mais o moleque vendedor de canetas e capinhas para documentos no Centro do Rio, então um deles indicou-o a Rádio Guanabara.

Por lá, o Silvinho, assim rebatizado pela dona Rebeca, superou outros 300 candidatos. Dentre esses oponentes, ninguém menos que Chico Anysio. Mas o ordenado não era tão interessante, então, aos 14 anos, voltou para o comércio de rua. Sabe que, às vezes, fico refletindo com os meus saudosos botões. Sem essas disputas, muita coisa seria diferente, pois foi em uma delas que Senor Abravanel se tornou Silvio Santos. Afinal e, segundo o próprio, todo santo ajuda, mas principalmente despista jurados conhecidos.

Já na década de 1950, a mesma que a vovó Telefunken chegou ao país, ele começou a trabalhar em Niterói, na Rádio Continental. Durante o percurso na barca, certa vez o jovem ouviu num radinho de pilha a famigerada “pega o Guanabara e vem”. Rá! Pegadinha do Mallandro. Mas a parte do meu primo pilhado é verdade, tanto que teve a ideia de instalar um sistema de alto-falante para tocar músicas, além de vender bebidas e eletrodomésticos.

Até que, por um infortúnio, a quebra do eixo da embarcação deixaria o veículo parado por três meses, corroborando para que um amigo o convidasse a passar uns dias em São Paulo. O seu Silvio, já desligado da Continental, não se deu conta, mas Santa Clara providenciou tal estorvo náutico para, enfim, nossos destinos se cruzarem, ainda que lá na terra da garoa tenha feito sua estreia pela Rádio Nacional, em 1954.

A minha avó Telefunken me contava que, naquela emissora, um sujeito bem importante neste contexto todo, chamado Manuel de Nóbrega, acreditou no Silvio e eles foram labutar juntos nos quadros “As Aventuras do Peru que Fala” e “Cadeira de Barbeiro”. Foi mais ou menos nesta época, ou seja, no final dos anos 1950, que o patrão comprou do pai do Carsalberto o Baú da Felicidade. 

Pouco depois, lá no início da década de 1960, o homem da risada ímpar e do microfone icônico me encontrou definitivamente, começando a apresentar, pela TV Paulista, o “Vamos Brincar de Forca”. Duas fileiras no auditório do tempo adiante, em 2 de junho de 1963, surgiu aquele que se tornaria a extensão da sala das colegas de trabalho: o Programa Silvio Santos, também conhecido como PSS.

Tudo seguia em ritmo de festa, até que o Roberto Marinho comprou, em 9 de novembro de 1964, a mesma TV Paulista, gerando aquele climinha bem peculiar. Longe de mim fazer fofoca, mas pulguinhas confiáveis relataram-me certo desconforto com a presença do Silvio. Isso porque, além da própria Globo, o jovem Abrava também vendia os reclames do plim-plim.

Em março de 1972, o Senor fez outra senora compra, adquirindo, sem o conhecimento do Doutor Roberto e com a ajuda do casca de bala Joaquim Cintra Godinho, 50% da Record. O Godinho entrou no circuito porque o ex-vendedor de canetas queria driblar as famílias Machado de Carvalho, dona da outra metade da laranja, e Marinho, avessa à ideia de Silvio ser sócio de alguma emissora. O patrão só se desfez daquela fatia em 1989, justamente para o Edir, que Macedo ou mais tarde faria tal abençoado negócio com ele.

Lembra do Nóbrega? Então, anjo. Depois do nosso já saudoso SS ter passado por históricas emissoras, como a Tupi, o criador da praça apoiou o patrão em seu sonho de ter o próprio canal. Nascia então, em maio de 1976, após longa luta, a TVS. Com as conquistas de novas concessões, ela se tornaria, em 19 de agosto de 1981, o SBT, embora eu continue chamando de TVS, conforme minha outra vovó, a Mafalda, me ensinou.

De lá pra cá o tempo voou tão rápido quanto os aviõezinhos de dinheiro jogados pra plateia e, infelizmente, o meu controle remoto ainda não é capaz de pausá-lo. Por outro lado, nesses 93 anos de vida e lá pelas tantas de carreira, incluindo uma candidatura à presidência interrompida e um perfumado, digo, conglomerado de empresas do Grupo Silvio Santos, ele se fez o maior.

O mago das minhas telas bancou a estreia do Chaves em 1984, importou o Bozo, marcou hora com José Eugênio, deu lugar de fala aos garotos do Serginho Groisman, embarcou no carrossel e perguntou “Qual é a música?”. Seu olhar de lince o permitiu, ainda, revelar calouros, investir no Roque, na Eliana e transformar a toca do Gugu num palácio, com banheira e tudo. Eu disse palácio! O negócio da rodoviária é invenção de vocês.

Mas ó! Senor Silvio Abravanel Santos já deve estar gargalhando no auditório astral e colocando a conversa em dia com os amigos Lombardi, Gugu e Hebe, além da Cidinha. O bom e velho Silvio, aquele do cabelo impecável feito no Jassa e das perguntas despretensiosas, planejadas meticulosamente para ouvir a versão do entrevistado, saiu de cena à francesa, em setembro de 2022. Hoje, aqui agora, quem sai é o Senor.

Quer dizer! Sair mesmo, será impossível. No máximo, Silvio Santos foi alí, olê, olê, olá. Do mundo não se leva nada, mas se deixa muita coisa. Suas rebentas Cintia, Silvia, Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata não me deixam mentir. Eu, a TV da sala, uma de suas duas Íris para o mundo, estarei aqui, como prova de seu legado. Por hora, reverência e gratidão, ficarei um minuto no mute.

*Guilherme Renso é jornalista e escritor