Foto: Lucas Lima

Quando decidiu ser arquiteta e o que te levou à profissão?

Na verdade, foi um processo. Na época da escola eu tinha facilidade e gostava de todas as disciplinas, desde as exatas às humanas e aquelas de cunho mais científico. Sempre me envolvi com todas as atividades complementares, principalmente as que se relacionam às artes (literatura, desenho, teatro, dança, música…). No fim do Ensino Médio ora me via seguindo a carreira jornalística, ora como arquiteta; esta surgiu pelo simples e precioso fato de unir todas as áreas do conhecimento, além de ter um viés artístico muito peculiar. Optei por arquitetura e urbanismo, essa formação dupla que foi conquistando meu coração muito aos pouquinhos. O início não foi fácil: a primeira coisa que procurei pela UFRJ foi um grupo de teatro (risos). O primeiro período na FAU UFRJ foi um misto de surpresas, encantamento pela cidade do Rio de Janeiro, pela ponte Rio-Niterói (morava na cidade de Arariboia à época), pela vida fora de casa. Os amigos e familiares não entendiam o isolamento social que a Arquitetura traz para seus discípulos (citação obrigatória nos discursos de formatura, e que perduram pela vida profissional).  Logo no início, me vi meio desgostosa pelo curso, eu e meu grupo de colegas mais próximos, quase todos com interesses por outras áreas. Comecei a questionar minha escolha, se havia optado pelo curso certo.  Passei a escrever para o portal de Literatura Crônicas Cariocas (a escrita sempre foi uma linguagem importante para mim). E então veio o 2° período: segui somente as disciplinas de desenho e histórias, para cumprir a carga horária mínima obrigatória do curso, e puxei matérias optativas como maquete, fotografia e ética no teatro. Pelos corredores da FAU eu ouvia “quero um período Núbia”. Comecei a estagiar no Patrimônio da UFRJ. Estava em 3 projetos teatrais, 2 na UFRJ e 1 aqui em Friburgo (nunca consegui ficar com poucas atividades). Tive um pico de estresse que me levou, depois de um tempo, a cortar boa parte das atividades e mudar para o Rio. Iniciei cursos livres de teatro na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras). Quando a arquitetura parecia estar indo por água abaixo ganhei uma bolsa de estudos que me possibilitou o nível C2 (fluente) em italiano, 6 meses na Università per Stranieri di Perugia. Voltei da Italia apaixonada pela arquitetura, querendo seguir por um caminho de curadoria de exposições. Uma professora muito querida me direcionou para a antiga Escola de Artes Visuais do Parque Lage. E a vida foi me levando por várias vertentes de estágio: patrimonio, restauro, projeto, construtora…e novamente para a Italia (Ciências sem Fronteiras, 1 ano na Università Roma Tre). A experiência formidável me rendeu amigos eternos, um prêmio internacional e colegas internacionais parceiros. Quando dei por mim, já amava e respirava arquitetura.

Foto: Lucas Lima

Você já trabalhou em diferentes frentes, passando por áreas como gestão de patrimônio, cenografia e educação. Qual a importância desse trânsito na sua atuação?

Esse trânsito é a essência do meu trabalho. Arquitetura é, acima de tudo, saber enxergar situações por diferentes pontos de vista, investigar e desconstruir fórmulas pré concebidas de formatar um simples “desenho”. Fazer arquitetura é focar no ser humano, suas experiências e possibilidades de melhoria de vida.

A gestão de patrimônio e o restauro me presentearam com a sensibilidade pelo sítio, o respeito ao genius loci do lugar; a cenografia, o olhar de magia, do lúdico, da beleza e dos sonhos, que são sempre passíveis de interpretação. Ter meu próprio escritório (um dos meus maiores sonhos, que se tornou – e vem se concretizando – a minha melhor e mais suada conquista) me põe em contato direto com todas as problemáticas do mercado, desde questões projetuais, seus impactos na execução, conhecimento de materiais e relações com fornecedores, viabilidade e manutenção do que é idealizado e frente a duas questões primordiais: a necessidade real de acessibilidade em um contexto de desenho universal – foco no ser humano – e a certeza de que a arquitetura acontece somente quando o arquiteto participa ativamente de todas as etapas de produção, até a entrega das chaves. A docência me dá a certeza de estar no caminho certo: me ver empolgada após uma aula de projeto e tentar, dentro das ementas, apresentar conhecimento e um reflexo mais próximo da vida profissional aos alunos, desenvolver metodologias de aprendizado – principalmente nessa epoca de ensino à distância – fazem com que eu procure me reciclar cada vez mais. E indagar sobre o mundo que devemos construir.

Interior nu studio. Foto: Lucas Lima

Sua formação aponta algumas especializações e cursos dentro da arquitetura muito diferentes entre si. Por que isso e o que te atrai em um curso?

Eu sou, antes de qualquer coisa, uma curiosa. Acho que a empatia com a arquitetura se deu por isso. A Arquitetura é uma arte generalista, é preciso saber de tudo um pouco. Sobre teoria, sobre procedimentos, sobre inovações, sobre como construir, sobre arte, sobre gente, principalmente sobre gente. Eu me especializei em Acessibilidade e em Planejamento, Gestão e Controle de Obras Civis. Por mais que eu goste de uma Instituição, eu sempre me forço a fazer um curso em outro lugar, para conhecer pessoas novas e novas formas de pensar. Só isto já resulta em uma bagagem grandiosa, e sempre me traz desafios interessantes e novos amigos. Pretendo sempre continuar aprendendo, e treinando diversos pontos de vista.

Interior nu studio : lavabo de acessibilidade universal e espelho assinado pela arquiteta
Foto: Lucas Lima
 

Quais são os principais desafios para a arquitetura hoje?

Vamos lá, não são poucos:

•             Deixar claro a todos (todos mesmo, a sociedade como um todo) que a arquitetura é uma ferramenta em prol do bem estar e desenvolvimento da população, enquanto seres humanos;

•             Reforçar o papel social da arquitetura, generalista por natureza, como gerenciadora em qualquer projeto de execução: é a ela que todos os problemas devem ser apresentados e compatibilizados;

•             Agregar conhecimento de qualidade à formação de novos profissionais da área é uma das minhas missões pessoais;

•             Passar a mensagem de que valor é diferente de preço, e que o processo de criação é muito mais transpiração do que o que se entrega (algo muito peculiar às diciplinas e profissões da Economia Criativa), entrega esta que é um conteúdo bastante detalhado, por si só. E que um projeto assinado por um arquiteto agrega – e muito – condições essenciais para o dia a dia das pessoas e paraum  maior percentual de lucro aos empreendimentos, isso é um ponto que as pessoas custam a entender.

Interior nu studio : parede por Marion  Beda; estante modulum, por Núbia Gremion   Foto: Lucas Lima
               

Dentro desse cenário, o que considera como os próximos desafios para a sua carreira?

O envolvimento do meu escritório em questões mais direcionadas à contribuição do aumento da qualidade de vida de cidades e/ou lugares (casas, ambientes comerciais, culturais…). A relação cada vez mais próxima com parceiros – em arquitetura (e em tudo na vida), o coletivo é a única solução. Nada se constrói a 2 mãos. São necessárias 4, 8, 28 ou mesmo milhares de pessoas que abracem com mesmo foco e paixão o desenvolvimento de projetos, sejam eles profissionais ou acadêmicos.

Interior nu studio : ingresso composto por parede Marion Beda, sala de videoconferência e studios       Foto: Lucas Lima
 

O que a arquitetura de Nova Friburgo representa para você?

Friburgo tem uma característica que eu herdei, com muito orgulho: é uma cidade eclética, desde a sua origem. Fundada por 100 famílias Suíças, sua formação cultural não se restringiu a essa reminicencia histórica: a praça das Colônias conta como nosso burgo foi palco da colonização de povos tão distintos, o que enriqueceu – e muito! – a cultura e as paisagens destas terras. Nossa cidade possui projetos arquitetônicos e paisagisticos incríveis, e com um grande valor na arquitetura nacional, como o Parque Hotel, do Lucio Costa, os jardins de Glaziou, na Praça Getúlio Vargas e no Country Clube. Tem os exemplares Art Decô, como o edifício Spinelli, tem a influência da colonização Suíça, como a Queijaria Escola e projetos mais recentes de grande impacto, como a Capela Nossa Senhora de Fatima – Arautos do Evangelho.

Crescer em meio a esses exemplos talvez tenha plantado uma sementinha dentro desse meu eu arquiteta, mesmo que indiretamente. Mais do que a arquitetura da cidade, o contexto da paisagem e o potencial de produção de artistas (vejamos Ligia Pape, Guignard, por exemplo: friburguenses. A grande safra dos artistas teatrais e da TV. A passagem de Carlos Drummond de Andrade pela “Fria Friburgo”…) Friburgo nos faz respirar arte, basta que nosso olfato tenha um pouco de direcionamento. Meus pais e minha escola, a eterna Externato Santa Ignez, tiveram papel fundamental nas minhas escolhas de vida.

Espaço café, Sala de Reunião e Sala de Atendimento MM Advogados Associados_ projeto e mobiliários por Núbia Gremion                                            Foto: Lucas Lima
 

Qual é o espaço que te faz se sentir em casa? 

É uma pergunta cuja resposta depende, assim como quando me perguntam sobre música ou livro favorito. Depende. Depende da época. Hoje me sinto em casa no meu escritório, que se localiza dentro do Espaço ARP, antiga fábrica de rendas de prestígio da cidade e que passa por um processo de resignificaçao. Hoje é um centro comercial em ascensão. O escritório foi projetado para ser um lugar de acolhimento, ter clima de casa, ser um espaço flexível, ser vitrine do meu trabalho e de parcerias, além de me possibilitar trabalhar full time, ou de madrugada – que é meu período de maior produção e, às vezes, casa com horários em que estou conectada com amigos profissionais parceiros de outros países, fruto das minhas vivências italianas. Além de ser um espaço repleto de arte – foi pensado para ser um studio em conjunto com a minha querida amiga artista gráfica e designer Marion Beda (que infelizmente não divide mais a sala comigo, mas deixou sua marca em três paredes artísticas incríveis)… é um lugar pensado e edificado com muito suor, amor, boas energias, e atenção a cada detalhe. O resultado é um lugar que me permite criar, ler, escrever, estudar, dar aulas (nestes tempos em que tudo tornou-se online), receber clientes, amigos, parceiros, tomar café(S, com s beem maiúsculo), tirar um cochilo de vez em quando, trabalhar, trabalhar e trabalhar. Mas voltemos ao foco da resposta, o espaço que me faz me sentir em casa: já foi a rua debaixo da janela do meu quarto em Perugia; depois, foi Roma, a cidade inteira. O Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, que sempre me dá a sensação de passar pelas exposições como se eu estivesse descalça, completamente à vontade. Uma rua residencial no Bixiga em São Paulo, na qual repousa uma janela com um ambiente todo em tons pastéis. Um trem intercity ou ônibus intermunicipal… O espaço que me faz sentir em casa é aquele em que meu coraçao bate tranquilo, e eu me sinto feliz. Todos os lugares que citei tem ligação com história, memória, sensibilidade, vivência, arte, experiências, todas premissas que fundamentam minha assinatura profissional.

*Agradecimento : Lucas Lima ( Fotos)