Crocodilo: a estreia da coluna “Ler os vivos” com Deborah Simões
Há temáticas que se constroem sob aspecto de “tabu” em nossa sociedade. O suicídio é uma delas. Não por acaso, sempre que uma obra artística retrata a “morte como escolha”, ouvimos e lemos críticas do tipo: “isso irá incentivar uma onda de suicídios” e etc. Não concordo. Penso que a arte está aí para tocar em pontos que preferimos deixar num cantinho, adormecidos no nosso ego, indiferente aos outros que nos cercam . E é esse abrir de feridas que Javier Contreras faz em “Crocodilo”.
“Hoje, meu filho Pedro pulou da janela do seu apartamento”. Assim começa a narrativa. Dura, árida, objetiva e certeira. Assim a história será construída a partir da voz de Ruy, um jornalista na casa dos 70 anos, que, de repente, encontra-se diante do suicídio do próprio filho, um jovem de 28 anos. Cada personagem irá procurar uma forma de encarar o luto. Ruy opta por tentar descobrir aquilo que sempre questionamos diante de uma notícia como essa: por quê?
A obra é dividida em capítulos que totalizam uma semana, do dia zero (o da morte de Pedro) ao 7º dia, vividos através do olhar de Ruy. Neles, lemos a tentativa de um pai explicar a morte do próprio filho. Lemos as memórias que sempre atravessam momentos de luto. Lemos que ninguém está realmente preparado para encarar a morte num fim de tarde. Lemos o resgate de detalhes que podem – ou não – revelar a relação entre pai e filho. E entendemos que, no fundo de tantas dores e dúvidas, a verdade está somente com quem já não pode dividi-la.
Apesar de construir uma linguagem por vezes árida e objetiva, Contreras também evidencia a sensibilidade das palavras certas, que se encaixam e constroem algo que, em nenhum momento, leva a obra para o estilo da autoajuda. É literatura ali. E sem qualquer pretensão de responder a tudo – o que torna a obra ainda mais densa, nesses dias, diante de nós.
E o título? “Crocodilo” é uma metáfora muito bem elaborada, que nos fala daquilo que deixamos vir à tona – ou não.
Crocodilo
Javier A. Contreras / Companhia das Letras – 184 páginas.
Déborah Simões é Mestre em Estudos da Literatura pela UFF, mediadora pedagógica do curso de Letras-UFF do CEDERJ e professora da área de Língua Portuguesa em escolas da rede particular.