Por Juliana Venites, fonoaudióloga e ex-presidente da SBGG-SP e Cristina Zerbinatti Carro,  fonoaudióloga e especialista em reabilitação hospitalar

Enquanto a população idosa cresce rapidamente, um problema silencioso ameaça a qualidade de vida: a dificuldade de se alimentar. Por que ainda falamos tão pouco sobre isso?

O Brasil está envelhecendo, e rápido. Os dados do último censo do IBGE mostram um aumento de 57% da população acima dos 65 anos em apenas 12 anos. No entanto, será que estamos realmente preparados para essa transformação? Especialistas em Geriatria e Gerontologia alertam que precisamos educar para envelhecer, mas essa conscientização vai além do clichê de que devemos poupar dinheiro para a velhice. Devemos também pensar na nossa saúde física e na forma como nos alimentamos.

Sempre ouvimos que uma boa alimentação e a prática regular de exercícios físicos são fundamentais para um envelhecimento saudável. Isso não é novidade. O que merece mais destaque é o fato de que a preservação da massa muscular não é apenas uma questão estética ou de força, mas um fator determinante para a qualidade de vida na terceira idade. A perda de musculatura está diretamente ligada ao aumento do risco de quedas, à perda de autonomia e ao surgimento de doenças crônicas. Apesar disso, o acesso a informações sobre alimentação e suplementação ainda é restrito a uma parcela da população, seja por questões financeiras ou simplesmente pela falta de conscientização.

Mas há um problema ainda mais grave e pouco debatido: a capacidade das pessoas idosas de realmente consumirem os alimentos recomendados. Não basta saber quais nutrientes são necessários, mas sim é preciso garantir que essas pessoas consigam ingeri-los sem dificuldades. E é aí que entra um tema que deveria ser muito mais discutido: a disfagia.

No dia 20 de março, profissionais de saúde alertam para essa condição que, embora comum, segue sendo pouco divulgada. A disfagia é a dificuldade para engolir alimentos, líquidos e até mesmo a própria saliva. O que para muitos é um simples incômodo pode levar a complicações sérias, como pneumonias recorrentes, desnutrição e perda acelerada de peso. Dados alarmantes mostram que 30% das pessoas acima de 60 anos, mesmo saudáveis e independentes, já apresentam dificuldades para engolir certos tipos de alimentos. Quando há a presença de doenças como AVC, Parkinson ou Alzheimer, esse número pode chegar a 70%.

Outro ponto que frequentemente passa despercebido é a perda de dentes, consequência direta da falta de acesso a cuidados odontológicos ao longo da vida. A mastigação inadequada reduz ainda mais a ingestão de proteínas, essenciais para a manutenção da massa muscular. Cria-se, assim, um ciclo vicioso: a perda de força nos músculos do corpo inclui também os músculos da deglutição, tornando a ingestão de alimentos mais difícil. Comendo menos, a perda de massa muscular se acelera, agravando a fragilidade do organismo. A pergunta que fica é: por que esse tema ainda recebe tão pouca atenção?

Precisamos falar mais sobre a importância da alimentação não apenas como uma necessidade nutricional, mas como um elemento central da qualidade de vida. Comer não é apenas ingerir calorias e proteínas; é um ato psicossocial. É nos momentos de refeição que exercemos nossa autonomia, escolhemos o que gostamos, compartilhamos experiências com amigos e familiares. E quando esse ato se torna um desafio, ele afeta não apenas o corpo, mas também a dignidade e o bem-estar emocional dos idosos.

A boa notícia é que há tratamento. O fonoaudiólogo é o profissional responsável por diagnosticar e tratar a disfagia, trabalhando com exercícios específicos e adaptações na alimentação. Mas essa não pode ser uma preocupação isolada. Dentistas e nutricionistas também desempenham papéis fundamentais nesse processo, garantindo que o idoso tenha condições de se alimentar de forma saudável e segura.

Se o Brasil quer realmente se preparar para o futuro, é urgente mudar a forma como enxergamos o envelhecimento. Precisamos garantir que a população envelheça com qualidade de vida, e isso começa com um olhar mais atento para algo tão básico – e ao mesmo tempo tão negligenciado – quanto a capacidade de engolir.