“Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”. Os versos são de Assis Valente, composição de 1938, vinte anos depois da pandemia da gripe espanhola que matou mais de 35 mil brasileiros. Primeiro gravados na voz de Carmem Miranda e, na versão mais contemporânea, interpretados pela artista, Adriana Calcanhotto.

Os relatos sobre a doença que matou até o presidente da república, Rodrigues Alves, no início do século do XX, são bem estarrecedores. Um país pobre, analfabeto e sem um programa de saúde pública, fez com que a epidemia fosse ainda mais fatal.

102 anos depois, cá estamos, vivendo mais uma pandemia. É óbvio que, salvas as devidas proporções, o momento tem semelhança.

Em ambos os casos, teve notícias falsas, descrença na letalidade, autoridades sendo omissas, isolamento social e  as orientações de higienização.

E aqui destaco o papel da imprensa nos dois momentos. A gripe espanhola só recebeu este nome por que na Espanha  a imprensa não estava sob censura. O mundo vivia os dramas da primeira guerra mundial, mas, mesmo assim, os jornais espanhóis começaram a noticiar o assunto e, assim, despertaram a atenção sobre o que acontecia.

Não é à toa que, em fevereiro de 1919,  cinco meses depois da chegada do vírus no país, houve no Rio de Janeiro um carnaval nunca tão festejado. O povo surtou com o fim da pandemia. Era uma massa de sobreviventes que juntou a euforia da festa com a certeza de não ter sucumbido.

A Unidos do Viradouro postou em seu site que o tema do seu próximo enredo será,  “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria”, trecho de uma das marchinhas que embalaram o carnaval pós pandemia no Rio de Janeiro. Já sabemos que a liga das escolas de samba do Rio, cogita a possibilidade do cancelamento dos desfiles no próximo ano.

No carnaval antes da covid-19 paralisar tudo em Nova Friburgo, cidade do interior do Rio, estava eu, sentado numa arquibancada montada na principal avenida, conversando com um amigo – eu era uma dessas pessoas que não botavam fé que a doença poderia chegar em nosso país.

Durante as férias, em março, com uma programação de descanso e passeios já montada, acordei no dia 15 de março com a notícia que a circulação de ônibus entre as cidades estava suspensa.

No mês posterior, voltei ao trabalho e comecei a ter contato com o novo coronavírus. Não, eu não me contaminei. Eu acho. Eu não sou enfermeira e nem coveiro. Assim como em 2020, os profissionais de saúde formam a linha de frente de combate à doença, os coveiros em 1918 foram vítimas, morreram tantos ao ponto dos presidiários serem convocados para enterrar os mortos daquele ano.

Eu sou jornalista. Profissão considerada como essencial desde o começo da quarentena. E a parte mais sensível neste período é conversar com os familiares que perderam os seus. 

Comecei o texto com a letra da canção, “E o mundo não se acabou”. E a discussão atual é se vai ter ou não vai ter a festa do Momo. A Secretaria de Estado de Saúde, divulgou quase 14 mil de óbitos por covid-19.

O mundo não se acabou para quem?

Quem me conhece sabe que carrego dentro de minha alma três “mulatas” do Sargentelli enlouquecidas. Prontas para cair na farra. Trancar a dignidade em um cofre e jogar a chave ao mar.

Em tempo; o autor sabe muito bem do quanto é pejorativo o termo “mulata”. Uso o espaço para que saibam que a expressão nasce ainda no período escravagista. Tem origem na analogia do cruzamento de equinos, entre eles, a mula – na miscigenação forçada e violenta entre brancos e pretas.

Em tempos ainda; por mais que tenha vacina, me questiono todos os dias o que eu aprendi nesse período.

Em tempo ainda e finalizando: nada impede a folia ano que vem de acontecer em outros meses; o mundo físico, a que tudo indica não acabará.

Em tempo ainda e finalizando com esperança; se puder curtir o carnaval de 2021 eu só quero uma música para retratar as minhas sapequices – Chuva, Suor e Cerveja de Caetano Veloso. Ouçam.

Léo Libanio – Jornalista, figurinista, costureiro e artista plástico.