Exilada voluntária. Enclausurada no casulo, a espera do momento de deixar de ser lagarta e voltar a ser borboleta. Voar livre, não só em pensamentos, mas liberar os movimentos no espaço das ruas.

Do meu esconderijo, vejo o contorno dos montes, à minha volta, delineado, no contraste com o azul celeste.

Num instante, vêm as recordações do tempo em que conheci este burgo. Encantada com as incríveis estórias inventadas pela inteligência criativa de um filho da terra. Eu, vinda de além mar, dos italianos palcos de minha atuação, acreditei, com tola ingenuidade, que outrora, um vulcão existira no seio destas montanhas. Vislumbro agora, as sombras da lava incandescente, tomadas pelo mortífero vírus, a escorrerem pelas encostas, apavorando e encurralando sua gente. Sem distinção de etnia, credo ou condição social. Seu fogo queima indiscriminadamente. O invisível inimigo, no qual muitos não acreditam. Da mesma forma que, antigamente, não se acreditou que o homem havia conseguido a façanha de pisar na lua. Como os ateus que não crêem em Deus, pois não o podem ver ou tocar. Assim, então, como um deus malvado (ou quem sabe um demônio), a devorar a todos, o Corona, rei absoluto de um reino insano, avança silenciosamente, castigando a humanidade. Pagam os bons pelos maus, os generosos pelos egoístas, os inocentes pelos criminosos. Curiosamente, poupa a natureza, donde se conclui que, o único exterminador vivente, merecedor de penitencia, é o ser humano!

Observo, do alto do meu refugio, os incautos, os descrentes, os ignorantes, a se exporem, inconscientemente, ao perigo iminente. Porém vejo, também, os necessitados temerosos, lançando- se ao risco, por sobrevivência. À sua e a de seus entes queridos.

Quão injusta é a sociedade que criamos. Na busca desenfreada pelos bens materiais nos esquecemos dos valores fundamentais e dos sentimentos inestimáveis. Confundimos “ser” com “ter”, e perdemos a dignidade, a honestidade, a comoção, a compaixão, a empatia!

Na exploração do outro, na busca frenética do nosso próprio bem-estar, sufocamos o que mais importa na vida: o amor. Na plena acepção da palavra.

Fomos pó e a ser pó retornaremos. Todos, sem exceção. Em cinzas dispersas pelo vento ou pelas águas, ou, ainda, nos tornando matéria orgânica, a envenenar o solo.

Do meu cantinho, privilegiada que estou, sob meu teto e pisando em meu chão, percebo o caldeirão fervente de ambição, que borbulha pelas praças até os confins dos distritos. Escorre, nas enlameadas e turvas águas do Bengalas que, há tempos, deslizou pleno de orgulho, a embalar a união de enamorados. Como em uma verídica Peyton Place, confundem-se, na agitação da fervura, os justos e os injustos, os bondosos e os maus, os salvadores e os algozes, os conscientes e os inconscientes, os sãos e os doentes de alma.

Mas, antes que em Friburgo, o gigante adormecido, do conto e do canto de um filho seu, se levante, faça as malas, e “dê no pé”, acontece o milagre. O sol se põe, soberano, por trás da cruz divina, dando passagem à lua e ao novo cometa, anunciando a esperança no amanhã. Fortalecendo os laços da solidariedade e os corações palpitantes dos estarrecidos e perdidos habitantes. Faz um cálido carinho e emana o suave perfume de vida. A promessa de um mundo melhor. Um futuro onde os homens, de mãos dadas com a mãe Gaia, salvem a sua espécie, as das matas, dos mares, dos rios e dos ares. Mudando as regras, respeitando seu semelhante, aceitando as diferenças, criando cidades saudáveis e habitáveis. Gerando alimento para todos. Que saúde, educação e cultura sejam os fios condutores da vida e estejam ao alcance de todos.

Anoitece, percebo a escuridão a penetrar em meu ninho. Sei que delirei, mas não sinto remorso. Quero ter sempre delírios de crença e esperança. Ver a raça, à qual pertenço, vaidosa, exibir o título de humana.

Daniela Santi é formada em teatro pela Fefierj (atual Unirio), e participou do grupo de vanguarda “Grande Companhia Tragicômica Jaz -o- Coração”, dirigida por Buza Ferraz e Caíque Botkay. Trabalha com teatro desde 1973. Interpretou vários personagens e dirigiu diversas peças; além de inúmeras performances, peças, filmes de curta-metragem, participação em novelas e comerciais para a televisão. Tem diversos cursos de complementação teatral, em figurinos e confecção de cenários, capoeira,dança,expressão corporal ,dicção, direção e outros teóricos.

Começou a dar aulas para adolescentes em 1984 e em 1992 iniciou também com turmas de adultos. Por oito anos foi Diretora do tradicional Centro de Arte do município. (1986/88 e 2002/2008)

Continua suas atividades de professora de teatro, na Usina Cultural da Energisa e no SESC-NF. Também atua como contadora de histórias, atriz e diretora de teatro.

Também escreve poemas e textos teatrais, ministrando diversas oficinas, onde mescla a literatura com os jogos teatrais.