Por um bom tempo, hesitei em escrever sobre o assunto. Primeiro, por existirem pessoas mais abalizadas para tratar do mesmo, tanto nas ciências médicas, quanto nas ciências humanas. Segundo, por ser um tema ao qual todos estão falando à exaustão. Sempre gostei dos assuntos que ninguém trata. Gosto mais das pequenas coisas, dos gestos mínimos. Mas, como já disse em crônicas anteriores, a procrastinação é uma qualidade minha e, portanto, funciono muito bem com um chicote estalando nas costas. Recebi essa semana,um convite do nosso conterrâneo, David Massena, para escrever algo sobre o tema na seção Entrelinhas, em seu site. Espero fazer jus ao honroso convite nessas mal traçadas linhas.

Há um tempo, no meio médico que frequento, já se falava algo sobre o vírus. Mas, em março se iniciou o que chamamos de quarentena. Minha natureza cética sempre desconfiou de informações vindas de todos os lados. Ouvimos de tudo. Teorias da conspiração sobre um possível vírus manipulado, em que a China o usaria para realizar seu domínio econômico. A vingança da mãe Terra sobre os humanos que a destroem. Que esse é um aviso sobre nosso egoísmo e que após a pandemia, a humanidade se mostrará mais solidária. Quanto à conspiração da China, acredito mais na pesquisa científica em que o vírus se formou nos morcegos e por “transbordamento zoonótico” passou a infectar os humanos. Quanto à conservação da natureza, sou a favor de formas sustentáveis de exploração. Quanto à melhora da humanidade, permaneço cético.

Mas, a pandemia nos fez observar e repensar algumas coisas. Então, vejamos. A dicotomia entre preservar vidas ou preservar a economia. A vida, como se sabe é bem maior. Mas, as coisas não são tão simples assim. Nessa discussão, começamos a observar várias questões que vieram à tona. Que vidas preservar? Entre um jovem e um velho, se preservaria a vida do mais jovem no caso de escassez de recursos? Entre um rico e um pobre, a quem se destina um recurso melhor? A quem é dado esse poder de escolha sobre a vida e a morte? Qual vida vale mais que a outra, se é que essa pergunta pode ser feita. Ou aí passamos a constatar a fragilidade de nossos sistemas econômicos e de saúde? O econômico, por não poder socorrer a quem necessita trabalhar para por comida na mesa. O de saúde, por não conseguir dar atendimento a toda demanda. No Brasil, ainda temos a polarização política que vimos sofrendo nos últimos tempos, agora transferida para a área médica quanto a uso de máscaras, isolamento social, uso de medicamentos como cloroquina, ivermectina. Cada um defendendo com unhas e dentes suas posições, na maioria das vezes, mais por paixão que por fundamentos.

O isolamento passou a ser quase consenso no meio científico. Esse novo hábito merece várias considerações. A consciência da nossa finitude e vulnerabilidade. Sim, morremos todos os dias. De outras doenças, de acidente, de tiro, de punhal de amor traído, de desencanto. Mas, o Covid nos fez perder a ilusão da imortalidade gerada em tanta propaganda hedonista a que somos bombardeados. A vulnerabilidade, por outro lado, nos expôs a um vírus que não vemos e que nos afetou sobremaneira. Os que morrem e deixam seus familiares não têm sequer o direito a um funeral digno.

           A diferença de classes, em que umas podem se dar ao luxo de ficarem isoladas, lendo, assistindo a filmes, experimentando receitas, trabalhando em casa e outras, que não têm o que colocar na mesa devido ao isolamento.

           A dicotomia entre segurança e liberdade. Todos viraram fiscais das atitudes alheias. Para aumentar a segurança, há um investimento em sistemas de controle que nos tolhem a liberdade. Até onde isso pode ser usado?

E finalmente, gostaria de falar sobre a indicação médica do isolamento. Se antes, a solidão era uma escolha, e eu particularmente gosto de estar sozinho com minhas fabulações, ela agora é recomendação. Ao sairmos de casa podemos contrair ou transmitir o vírus. Adquirimos poder sobre a vida e a morte.Abraços, beijos, apertos de mão, contatos com os amigos se tornaram atos evitados. Passamos assim, a ter contato com nós mesmos. Gabriel García Marquez dizia que “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”. Assim, vamos nos preparando para a velhice, que é a única vitória diária sobre a morte e a certeza de que a cada dia ficaremos mais sozinhos.

Enzo Menta, nascido em Cataguases, MG. Formado em Odontologia pela UERJ. Estudou música em cursos livres. Pós graduado em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFJF. Mantém no Facebook uma página, Crônicas & Agudas, onde escreve todas as sextas.