Pandemia, quarentena, Covid19, aulas remotas, reinvenção de gestos e hábitos… Eu, que amo as palavras e gosto de descobri-las e desvendá-las, de repente me encontrei num mundo totalmente diferente com essas que se intrometeram em nossas vidas e a transformaram de modo sem igual.

Exceto o nome da doença, todas as demais já estavam no dicionário, nos livros de História, nos de Pedagogia e Psicologia. É, claro, nos literários também.

Ocorre que uma palavra ou uma expressão não é somente a sua etimologia ou seus significados. Antes, durante e depois, as palavras são sempre os sentidos que damos a elas – nós, humanos, que inventamos a língua e a escrita.

Sou professora e tive de dar real sentido a teorias de aprendizagem que estudei há anos; trazê-las à tona e transformá-las em possibilidade de construção de conhecimento. Antes de tudo, o meu próprio conhecimento acerca do mundo, do saber, do ensino, do aprendizado.

Sou leitora e me vi lendo mais textos jornalísticos e didáticos do que literários. Coloquei a aflição de lado e investi no que era necessário naquele momento. O mote? Viver um dia de cada vez – com cuidado, atenção e serenidade. Exercício cotidiano.

Felizmente, a literatura encontra meios de estar presente. Havia as declamações de poemas e as contações de histórias pelas redes sociais. Havia os livros sendo lançados e histórias sendo escritas.

E havia o Clube de Leitura Vivências. Esse grupo de Nova Friburgo/RJ que teve de entrar em isolamento social e ficou impedido de se reunir presencialmente, mas que não deixou um dia sequer de se encontrar de modo remoto.

Aliás, não posso dizer que estivemos distantes nem que não houve presença. Nossa proximidade se deu via arte: compartilhamos pinturas, esculturas, desenhos, textos, dicas de filmes. A presença fez-se por via auditiva: gravamos leituras de textos literários e compartilhamos diariamente – a essa bela atividade demos o nome de “Momento Áudio Literário”. Aquecemos nossos corações e demo-nos as mãos, em parceria e amizade. Numa grande teia, enredamos outros: os áudios desceram a serra e viajam por muitos cantos – de perto e de longe.

Olhamos para nossas janelas, de dentro das nossas casas, e enxergamos o mundo. Com nosso olhar, escrevemos: fotografia foi mais uma atividade que realizamos. Ao nos depararmos com as fotografias umas das outras, nossas janelas se escancararam e chegamos às palavras novamente: escrevemos pequenos contos, crônicas e poemas sobre os olhares.

Muito mais do que palavras novas ou ressignificadas, para além das dores de um mundo doente (sob vários aspectos), a literatura inundou minha vida e me faz, a cada dia desse período tão difícil, ganhar novo ânimo para seguir e enfrentar os desafios.

Utopia? Talvez. Mas, como disse o poeta, é para isso que ela existe: para nos fazer não desistir de caminhar.

*Márcia Lobosco é professora, produtora literária, mentora de diversos projetos de Clubes de Leitura, Cafés Literários, Ciclos de palestras e Rodas de conversa.

Com formação em pedagogia e letras, em 2018 seu projeto Café Literário recebeu o Prêmio Ricardo Oiticica da Cátedra de Leitura da PUC – Rio, na categoria Mediação de Leitura.