Será que é possível transformar as diferentes linguagens artísticas em processo terapêutico? Adriana Simão, autora de Tempestade de som e fúria, descobriu que sim. Best-seller da Amazon, o livro de poemas foi concebido enquanto ela escutava canções e deixava o próprio fluxo de consciência se tornar versos reflexivos.

Como uma espécie de terapia, essa imersão resultou em textos que abordam as relações com o tempo, os diferentes sentidos para a vida, a importância da memória e as formas de viver em meio às contradições da realidade. Iniciado devido a uma sugestão da psicoterapeuta da escritora, o trabalho poético serviu como um momento catártico de autoconhecimento para ela entender seus sentimentos e lugar no mundo por meio da arte.

Grande fã das playlists em fitas cassetes, populares nos anos 1990, a autora compilou em uma playlist on-line todas as faixas que inspiraram sua criatividade. Ao longo da leitura, leitores podem interagir ainda mais com a obra ao ouvir a miscelânea de artistas como Arcade Fire, Oasis, Tribalistas, Florence + The Machine, Adele, Phoebe Bridgers e Beirut.

Nesta entrevista, Adriana Simão conta como se inspirou na produção poética para se conectar com si mesma e de que forma a escrita terapêutica pode contribuir para o desenvolvimento pessoal de cada um:

1. “Tempestade de som e fúria” surgiu como um processo terapêutico, para externalizar suas próprias emoções em poemas. Como a escrita influenciou em seu autoconhecimento?

Adriana Simão: Em 2021, eu estava em busca de autoconhecimento, acompanhada por alguns processos terapêuticos. Num desses, a querida Carol Presotto-Simrat me sugeriu colocar uma música para tocar e escrever o que viesse à mente. Veio poesia. Foi um processo tão intenso que acabou se tornando também uma terapia. Com a escrita diária, percebi o potencial de organizar os pensamentos, o que foi se estendendo para as emoções e trouxe um alívio e uma certa clareza para começar o dia… Virou uma espécie de download da mente para seguir mais leve.

2. Por que você optou por poesia, ao invés de outros estilos literários? Como a poesia se conectou com sua própria realidade?

Adriana Simão: Interessante essa questão, pois o caminho da poesia foi completamente intuitivo. Neste exercício de escrever o que viesse à mente, não havia compromisso com forma nem estilo. Então, poderia vir qualquer coisa. No começo vieram muitas emoções, mas já em formato de poesia… com ritmo e algumas rimas. O processo foi se lapidando e os poemas foram ganhando mais forma e mais sentido. A partir de tudo isso, fui me interessando pelos poemas como leitora e então veio a ideia de publicar um livro para que chegasse a mais pessoas.

3. Você recomenda a escrita terapêutica para outras pessoas, até mesmo quem não é escritor? Por quê?

Adriana Simão: Sem dúvida. A palavra, seja ela falada ou escrita, tem um poder de transformação muito grande. Acredito que, por isso, muitas linhas terapêuticas se amparam na cura por meio da fala. No caso da escrita, é uma conversa de você com você mesmo, o que pode ser muito potente para conseguir escrever coisas que seriam até difíceis de falar. A transformação mora aí, em tirar isso de você, da sua cabeça, dos seus sentimentos… Como a escrita terapêutica não tem compromisso com forma ou regras linguísticas, pode ser algo muito acessível às pessoas que não se imaginam escrevendo e um recurso interessante para quem, por alguma razão, não faz terapia. É um jeito de começar a entrar em contato com o autoconhecimento.

4. Além de ser uma escrita terapêutica, a obra tem um bônus: os poemas foram escritos enquanto você escutava a músicas. De que maneira a arte musical está presente na sua vida? Para você, qual o ponto de intersecção entre música e literatura?

Adriana Simão: Eu sou uma pessoa bem musical. Sempre conto com uma trilha sonora para me concentrar, produzir algo ou relaxar. Para mim, a música e a poesia têm uma relação muito estreita quando pensamos em cantores e compositores como poetas… Renato Russo, Cazuza, Bob Dylan, que inclusive recebeu o Nobel de Literatura. A poesia, por sua característica ‘musicada’, a partir da cadência e rimas, torna-se ainda mais fácil de reconhecer essa relação e, inclusive, foi uma conexão muito próxima na antiguidade, na poesia cantada. Vemos essa presença ainda hoje, no cordel ou no slam, com o hip-hop, por exemplo.

5. O livro suscita uma conexão com os anos 1990, com as fitas cassetes. De que forma estas fitas e aquela década estão presentes nas suas memórias? E por que retomar este mundo analógico no presente?

Adriana Simão: Eu nasci nos anos 80 e, na década seguinte, a MTV fazia parte do dia a dia de muitos adolescentes. Para mim, esse canal musical e as rádios me acompanhavam sempre e eram base para criar as fitas K7 ou VHS com as músicas, programas e entrevistas dos meus artistas favoritos. Criar uma playlist era um ritual: antes de tudo, pensar na lista de músicas do momento e ficar grudada na rádio para conseguir gravar. O que poderia demorar dias… É nostálgico lembrar desse tempo, porque essa feitura artesanal criava uma relação ainda mais especial com os artistas, locutores e VJs… recordar desse tempo faz refletir um pouquinho sobre os tempos acelerados em que vivemos.

Sobre a autora: Formada em Sistemas de Informação pela Universidade Mackenzie (SP), Adriana Simão trabalha com números, mas desde criança é apaixonada por palavras e música. Aprendeu a produzir playlists em fita cassete e, décadas depois, uniu este conhecimento ao fazer poético. Enquanto escutava canções, escrevia os poemas que foram publicados no seu livro de estreia Tempestade de som e fúria. Lançada primeiro como e-book, a obra alcançou a lista de mais vendidos na Amazon e se tornou um best-seller. Agora o título ganha versão física publicada pela editora Letramento.