À Rosemary Kunzel

Dia desses me deparei com fotos da amiga Rosemary Kunzel, nas páginas virtuais, como boas lembranças de tempos vividos, com a ingenuidade de quem é alçada ao papel de noiva ou noivo, sem muita opção de escolha, num casamento arranjado da festa junina da escola. Quantos de nós vivenciaram tempo tão belo, tão generoso e puro?

A inspiradora foto de Rosemary Kunzel

Na foto, Rosemary não é a noiva, mas posa, com elegância e propriedade, com guarda sol e tudo mais, numa tradicional festa que ocupava o enorme campo de futebol do Friburgo Futebol Clube, no coração daquela Nova Friburgo que ainda guardava reservas para crescer, sem pressa,  nos anos de 1960. A festa, preparada cuidadosamente, com imensas galhadas de bambu, barraquinhas típicas, fogueira, pescaria, balões em papel que pendiam sobre nossas cabeças e bandeirinhas coloridas, qual caleidoscópios a encher nossos olhos, trançadas num vai e vem que prenunciava alegrias! Eu estava lá!

Era o Arraial do Externato São José, escola particular que ocupava o prédio da Mitra, antigo Hotel Glória, sob a direção de Dona Conceição Abicallil e supervisão de Dona Cotinha, Dona Judith Borher, entre outras senhoras, nas salas que abriam para um jardim interno, imóvel que abriga hoje o Willisau Center.

Eu e meus irmãos, Mário e Alexandre, na festa do Externato São José

As festas juninas, em Nova Friburgo, eram datas especiais. A começar pela de São João, o padroeiro da cidade. Não sem antes passar pela tradicional quermesse de Santo Antônio, na Praça do Suspiro, onde as moças faziam fila para ganhar o pãozinho que prometia um feliz casamento e os rapazes, como numa disputa, tentavam escalar o famoso pau de sebo, numa tosca exibição.

São Pedro e São Paulo também ganhavam celebrações, em festas em Lumiar, ainda com estrada de terra e casarios, invadida pela juventude que virava as noites e pelas cantorias embaladas pelos sanfoneiros da região.

Mas o meu encantamento pelas festas juninas, e que se manifestou vendo as fotos da Rosemary, é pelos aromas e cores. Mistura de sentimentos e emoções que a psicologia talvez não explique.

A festa de Santo Antônio no início do século XX

Ainda sinto o cheiro de rolha de cortiça queimada no fogo e que, em sua ranhura, desenhava costeletas, bigode e cavanhaque no rosto menino. O perfume de cravo e canela, em infusão com cascas de laranja e limão, corria os espaços tomando o ambiente. Era o quentão que serviria os adultos. O fumegar das panelas desprendia os aromas facilmente identificáveis. Era milho cozido, cheiro de cocada de leite, o calor da canjica, o cachorro-quente tipicamente friburguense, misturando carne moída e salsicha, a carne tostada previamente para o churrasquinho, o amendoim perfumado, o coco queimado, arroz doce, abóbora caramelada, o bolo de fubá.

As caipiras do meu tempo, ornadas com pontos russos, sianinhas, passamanarias, passa fitas, bordado inglês, galões multicoloridos, tinham anáguas engomadas que pareciam flutuar. A chapelaria era cuidadosamente combinada, as tranças construídas, o rouge ( assim se chamava o Blush), o batom, o laço na cintura daquela que poderia ser eleita a “ Sinhazinha” da festa.  Honraria que despertava inveja, fofoca e disse me disse.

A groselha borrava a boca. A caixa de fósforos escorregava pela gravata improvisada. O chapéu não parava na cabeça. O suspensório soltava as garras da calça, estalando no corpo. A fogueira, lançando faúlhas aos céus, tinha o ápice intenso quando a quadrilha tomava o espaço unindo a todos. Momentos depois, os troncos quedados, desfigurados, no braseiro quase apagado, prenunciavam o fim da festa.

Beth Breder, Luci Quintanilha de Moraes, a pequena Rosemary, e Edmo Zarife

Mas os aromas e cores seguiam no tempo. Seguem no coração. Vejo agora as fotos da Rosemary Kunzel. Lá aparecem o radialista estrelado Edmo Zarife, a bela Beth Breder, jovem professora, e a Tia Luci Quintanilha de Moraes, minha professora, tia emprestada, amiga que dedicou sua vida a alfabetizar crianças de tantas gerações. São lembranças que eu gosto de ter. São aromas e cores vivos como fosse ontem. Afinal de contas, não importa quanto tempo duramos. Nem nós, nem a festa! Nesse momento de isolamento,  o que importa é estarmos vivos com a capacidade de recordar.