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Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social, mostram um aumento de 136% de funcionários afastadas do trabalho por burnout em 2023, com 421 registros, em relação a 2019, que teve 178 afastamentos. Esse aumento ocorreu, principalmente, durante a pandemia do coronavírus, quando as empresas tiveram que adotar o home-office, devido ao isolamento social.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que 8,3% dos brasileiros trabalhavam em home office em junho de 2024, demonstrando que essa modalidade de trabalho continua sendo uma tendência após a pandemia de Covid-19. Em 2019, esse percentual era de apenas 5,8%. Os números são referentes aos funcionários contratados por empresas, que recebem seus salários mensais, direitos trabalhistas e benefícios.                                                                                                                                                                    

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE também mostra que as mulheres lideram o trabalho remoto, com 13,4%. Essa porcentagem pode estar relacionada ao fato de que, tradicionalmente, são elas que exercem os trabalhos domésticos e os cuidados com os filhos. Segundo a psicóloga Bárbara Couto, mestre em Psicologia Clínica e Saúde pela Universidad Europea del Atlantico (UNIAtlântico), da Espanha, caso não tenha disciplina e imposição de limites, o que antes se conhecia como dupla ou tripla jornada, com as tarefas domésticas e da maternidade iniciando após o fim do expediente de trabalho, pode passar a ser uma mistura de todas essas demandas, ao mesmo tempo e sem folga. E, com o passar do tempo essa realidade pode levar a um quadro de burn out.

“O home-office, para algumas pessoas, gera uma pressão maior e aumento na carga de trabalho, além de estado de alerta constante, se sentindo na obrigação de responder as mensagens imediatamente. Isso porque, para muitos, como a casa se tornou um ambiente da empresa, não tem mais o momento de se desligar fisicamente do trabalho. O burnout pode surgir nesse contexto de sobrecarga e de falta de descanso,”, explica Bárbara Couto.

Cérebro não desliga quando o ambiente de trabalho é a casa

Quando se trabalha presencialmente nas empresas, há uma rotina diária, de sair de casa e chegar ao trabalho, se desligando do ambiente doméstico e entrando no do serviço. Assim como ao chegar em casa depois do expediente de trabalho, é momento de se dedicar à vida familiar. O cérebro associa a casa ao descanso, lazer, a família e vida pessoal.  Mas quando se coloca o trabalho nesse contexto, a casa também passa a ser vista como um espaço de pressão e de obrigação da empresa.

“Essa sobreposição de espaço físico altera no cérebro a percepção do lugar de descanso, passando a viver sempre em modo de trabalho. A sensação é de que não se tem direito de relaxar, descansar, ter momentos de lazer e estar com a família. Também trabalhar em home-office sem ter um espaço exclusivo de trabalho em casa, como um escritório, uma realidade para muitas pessoas, pode intensificar essa confusão no cérebro, levando ao esgotamento mental”, observa a psicóloga.

Quando a empresa do Microempreendedor Individual funciona no ambiente doméstico

Uma outra pesquisa do IBGE, divulgada em agosto desse ano, mostra que em 2022, havia no país, 14,6 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIS) e que 38% deles funcionam no mesmo endereço de residência do trabalhador. Segundo Bárbara Couto, as pessoas que atuam como MEIS já são mais suscetíveis a apresentar quadros de burnout, pois a maioria trabalha sozinha e tem todas as responsabilidades sobre a empresa, como  planejamento, marketing, atendimento aos clientes, administração financeira e contábil, além do próprio produto ou serviço que vende. E, o faturamento, está diretamente ligado a quanto essa pessoa trabalha. O MEI trabalhando no ambiente doméstico, na maioria das vezes, não delimita horário para parar, já que empresa e casa se fundem num mesmo espaço.

“Os MEIs costumam se sentir muito pressionados a estarem sempre produzindo, e que, se der uma pausa, vai impactar negativamente na sua renda. Também trabalha sem horário fixo, sem supervisão externa e demasiadamente. Com o tempo, essa rotina de trabalho excessivo, a falta de pausa e  de um sistema de apoio, podem gerar um esgotamento físico e mental, que são as características do burnout”, relata Bárbara Couto.

Falta de interação social

Quando se trabalha presencialmente nas empresas, há interação social com colegas de trabalho, com clientes, com pessoas no percurso. É possível interagir, trocar ideias, vivências e experiências pessoalmente, que são primordiais para os humanos, já que são seres sociais. E, quando se trabalha em home-office, a interação é somente via telas, através de mensagens e reuniões virtuais.

O levantamento do IBGE aponta também que menos de 1% (0,9%) dos MEIs emprega outra pessoa, ou seja, trabalha sozinha. Assim como funcionários contratados por empresas, que trabalham em home-office, atuam solitários. “No home office, as interações são menos frequentes, mais formais e isso gera um isolamento, que não é ruim apenas para a saúde mental, mas também para a produtividade. Quando não se tem contato, conversas e interação social, a motivação diminui e aumenta o estresse e a ansiedade. Não ter contato físico para falar sobre dificuldades, problemas no trabalho, feedback olho no olho, cria um ambiente de trabalho muito mais estressante”, esclarece ela.

O isolamento social proporcionado pelo home-office pode desencadear outros problemas, entre eles, a ansiedade social para quem já tem predisposição a ela. Com o tempo, vai-se perdendo o hábito da interação presencial e o cérebro acaba desenvolvendo um desconforto em situação social. “Mesmo que, no início, ficar em casa possa parecer muito confortável para quem já tem dificuldade de socialização, pode-se levar a um quadro mais grave, ficando mais preso ainda no ambiente digital, que sabemos não ser um ambiente muito saudável quando a falamos de relações interpessoais”, alerta Bárbara Couto.

O que fazer quando se é diagnosticado com burnout?

Para quem está com burnout é importante entender a gravidade desse quadro e quais as estratégias de recuperação para o caso específico, com acompanhamentos psicológico e psiquiátrico, quando necessário. A terapia ajuda a entender o que causou o esgotamento e onde extrapolou os limites para ela chegar a esse quadro. Depois de um descanso, é necessário traçar estratégias para reduzir as demandas desse trabalho.

“Uma adaptação na carga de trabalho, colocando limites no tempo que se dedica ele, já traz resultados. Além disso, fazer exercícios físicos, ter atividades de hobby ou de lazer no dia a dia são fundamentais. Assim como manter uma rotina de sono e de desconexão digital após o expediente. A recuperação do burnout é um processo, mas sempre entendendo que precisamos do descanso, do lazer e da vida pessoal tanto quanto precisamos do nosso trabalho”, aconselha ela.

Como desenvolver um trabalho em home-office de forma saudável?

Há algumas estratégias para se viver o home-office sem desenvolver o burnout, entre elas, agir como se estivesse em um trabalho presencial, com horário de entrada e de saída, além de fazer pausas durante o dia para almoço e cafés.  E dentro de casa tem que ter um ambiente específico para o trabalho, para o cérebro entender que aquele é o espaço de se trabalhar no horário pré-determinado. “Assim, a mente delimita ali o ambiente de trabalho, diferente dos ambientes de descanso, da vida pessoal e de estar com as pessoas queridas. É preciso também que a pessoa se mantenha socialmente ativa, que interaja com colegas, fora do ambiente de trabalho e que tenha momentos de descontração com eles. E claro, para ser saudável é necessário sair d e casa, fazer exercício físico e ter momentos de lazer. É preciso manter uma rotina e equilibrada, que contemple descanso, relaxamento, pausas, desconexão com o trabalho, independente se isso é na nossa casa ou se é no ambiente da empresa”, finaliza Bárbara Couto.

A psicóloga Bárbara Couto

Bárbara Couto é Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e tem Mestrado em Psicologia Clínica e Saúde pela – Universidad Europea del Atlantico (UNIAtlântico), da Espanha.

Ela também tem Especializações em Terapia Cognitivo Comportamental e Neurociências e em Comportamento, ambas pela PUC-RS e em Neuropsicologia Clínica, pela Capacitar.

Bárbara Couto escreveu dois livros, editados pela Drago Editorial, em versões impressa e e-book. O primeiro “Permita-se”, sobre relacionamentos abusivos e libertação emocional. E o segundo “Aceita-se”, sobre tabus e necessidade da autoaceitação para sobreviver em uma sociedade que tem dificuldade em aceitar.