Ela fugia das aulas de catecismo para assistir aulas de judô. E ainda na infância, a menina Rosicleia deixou claro o porquê: apaixonada pela modalidade, aos 10 anos ingressou no judô e traçou seu caminho de conquistas.  Como atleta, competiu pela equipe do Flamengo até os 34 anos e pela Seleção Brasileira de Judô, até os 30 anos, e disputou duas edições de Jogos Olímpicos: Barcelona, em 1992 e Atlanta, em 1996. Defendendo o Fla, foi campeã estadual 16 vezes, eneacampeã brasileira e heptacampeã sul-americana.

Durante mais de 15 anos, ela comandou a seleção feminina de judô com uma atuação considerada simplesmente revolucionária. Sob seu comando, desde 2005,  vieram a primeira medalha olímpica no judô feminino, em 2008, com Ketleyn Quadros; o primeiro ouro do judô feminino com Sarah Menezes, em 2012, e, no ano seguinte, o primeiro ouro em Mundial, com Rafaela Silva. Em 2014, outro título mundial, com Mayra Aguiar. Foram 22 medalhas em Mundiais Sênior, Individuais ou Por Equipes, e cinco medalhas olímpicas. Entre tantas conquistas, Rosicleia recebeu do Comitê Olímpico Brasileiro o prêmio de Melhor Treinadora do Brasil, em 2011.

Hoje Rosicleia segue passando sua experiência aos atletas do Flamengo, após chegar ao topo em um universo predominantemente masculino, em que teve que encarar muito preconceito. “São 38 anos no Flamengo. Nesse tempo travei muitas guerras. Mas as mulheres foram ficando mais fortes, competitivas.  Sofri  muitos preconceitos, mas valeu a pena. Porque, no judô, a primeira coisa que a gente aprende é a cair. Fui derrubada algumas vezes, mas levantei em todas. Somos fênix. É essa pegada que tem que ter, e não é fácil. Se não deu certo de um jeito, volta, estuda, revê a planilha, refaz a abordagem e segue porque não dá pra parar”, declarou ela em entrevista à FlaTV.

Mãe dos gêmeos Ana Clara e Matheus, fruto do casamento com Edmundo dos Santos Silva, Rosicleia ressalta a importância de a mulher estar em posições de comando e no lugar que quiser. “Quando me tornei treinadora, meu salário era um terço de um treinador masculino. Quando fui treinadora da seleção, a mesma coisa. Mas isso não me fez esmorecer: me deu mais ânimo, me fez  mais forte. É preciso ter uma fala profissional, embasada. É sobre ser mulher, se reinventar, cuidar da casa, marido, filhos, da mãe e estar plena”, afirma ela.

Conheça um pouco mais o perfil de Rosicleia Campos:

Como está essa nova fase, após a jornada vitoriosa à frente da Seleção Brasileira?

Após minha aposentadoria ano passado, 2021, onde completei um ciclo de 8 olimpíadas consecutivas, minha dedicação é de 100% ao Flamengo

Que legado você considera ter deixado para as atletas?

Um judô feminino independente, reconhecido, respeitado e vitorioso.

Você foi considerada revolucionária, aliando uma imensa energia passional à precisão técnica e logística que permeou toda a estrutura e trouxe conquistas à seleção… Acredita ser esse o seu diferencial? Como evoluiu de atleta a técnica de excelência?

A expertise da vivência de atleta foi o grande diferencial na carreira de treinadora, exatamente por ter sentido na pele a necessidade de ações e intervenções em caráter de urgência para o crescimento do judô feminino nacional.

A transição de atleta para treinadora foi uma surpresa, apesar de ser formada (conclui faculdade de Educação Física em 1992, aos 22 anos, e ter pós graduação em Treinamento Esportivo, concluída em 2000), o convite da CBJ e COB para compor a equipe olímpica de Sydney 2000 foi uma grata surpresa, e estava pronta para assumir a responsabilidade!

Quais desafios vive na fase atual? Conte um pouco sobre seus próximos projetos.

Por ter vivido única e exclusivamente para o judô, levantar a cabeça e ter um olhar mais amplo tornou-se meu principal desafio. Me especializei para ser a melhor no meu segmento, estudei até um curso de coach esportivo. Resolvi fazer para ser mais uma ferramenta para atuação no meu segmento.

Hoje o objetivo é contar essa trajetória, bastidores linkando a vida de um atleta de alto rendimento ao mundo corporativo onde a competitividade é similar.

Quanto de preconceito enfrentou por ser uma mulher no comando?

Sem dúvidas daria um livro. Foram muitos em diferentes situações, porém apesar de tudo, desistir jamais foi uma opção!

Acredita que hoje em dia o judô atrai mais uma geração de meninas? Quanto evoluímos nesse sentido?

O mundo mudou! Judô não é mais território apenas dos homens! Vejo um número crescente de meninas nas escolinhas de judô do Flamengo, o que me enche de orgulho. Hoje lugar de mulher é onde ela quer estar, porém ainda vivemos preconceitos!

O esporte é um bom caminho para a formação de crianças e jovens, especialmente os que integram a população menos favorecida e em situação de vulnerabilidade social?

Sem dúvida!!! Esporte + educação, esses pilares mudam vidas!

Qual dica daria para quem enveredar por um caminho profissional no esporte?

Independente do que você escolher, a dica é estudar, se especializar. Seja lá o que você quiser fazer, queira e faça o possível e o impossível para ser a melhor versão de você mesmo!

Ser mãe foi uma de suas maiores conquistas? E também prova que as mulheres podem conciliar tudo?

Foi uma enorme conquista a maternidade, mesmo indo contra tudo que muitos acreditavam. Eu retornei a trabalhar quando meus filhos tinham 4 meses de idade. E até completarem 5 anos, eu não tinha passado 5 meses ininterruptos ao lado deles. Vivi dramas internos intermináveis, a culpa me assombrou durante anos! Amores diferentes, o esporte e a família! Difícil, mas possível conciliar.