Não conto os dias. Não consigo, eles voam.

Às vezes tento, mas eles fogem de mim.

Um dia fui buscar minha filha na escola.

Antes de vir para casa, compramos uniformes mais agasalhados para ela sair de casa às 6h30 todos os dias; o frio chega rápido à Nova Friburgo.

Quando chegamos, vimos a notícia da suspensão das aulas…

Desde aquele dia, estamos em casa. Foi ontem? Ou há muitos anos atrás?

Quando voltar à escola provavelmente os uniformes não caberão mais nela.

Nossos cabelos cresceram, as crianças cresceram.

O tempo é um mistério…

Olho para as montanhas iluminadas toda a manhã e sinto tanta gratidão pelo privilégio de estar em casa!

É claro, desejo profundamente que tudo passe e as pessoas parem de sofrer, adoecer, morrer, ter medo. Quero muito que tudo deixe de ser tão perigoso e ao mesmo tempo penso em tudo o que ainda preciso e quero fazer, antes do final da quarentena. Ainda não aproveitei o suficiente essa pausa.

Penso na vida quando isso tudo acabar…

Como eu dava conta de fazer tudo o que eu fazia?

Olho para a vida que eu vivia, como para uma roupa no armário que não me serve mais. Não por ser grande ou pequena, mas porque não combina mais comigo.

Sabem como é? Aquela roupa que nos cabe, mas não serve?

A doença, o vírus, o número de mortos, a internação, morrer sem ar, as sequelas… Tudo isso me assusta muito, mas o medo de voltarmos ao “normal” também me apavora.

Como podemos voltar a viver como vivíamos antes?

Nossas vidas são roupas que não nos servem mais…

GABRIELA RIBAS é atriz, gestora cultural, arte-educadora, professora de teatro. Integrante-fundadora da Companhia Arteira de teatro e da Companhia VIVA. Presidente da Associação Centro Cultural Viva, Professora de Teatro da Oficina Escola de Artes de Nova Friburgo.