Surpresas do Cerrado
Por Ana Matoso
A minha expectativa era conhecer os fervedouros que via pelas fotos. Lindas piscinas de água transparente, cercadas por folhas de bananeiras, com uma escada de madeira para compor a bela fotografia, que sonhava em fazer, saindo da água.
Imaginava o pôr do sol do alto das dunas avermelhadas ou da Pedra Furada, naquele colorido degradê cor de terra. Queria ver a bela cachoeira, que, pelas imagens, me lembrava o verde esmeralda dos Lagos de Plitvice, na Croácia. Focada nas atrações pré-determinadas, encantei-me com outra, à parte e que ninguém conta.
Fico com pena de revelar essas surpresas da viagem! Acho que cada um deveria se surpreender e viver a sua própria experiência. Porém, ao mesmo tempo, quero falar do que esperar e da importância de se preservar o Cerrado, essa joia bruta brasileira.
A expedição parte cedo de Palmas, capital do Tocantins. Então, chegue um dia antes. Existem mais de 50 empresas fazendo as expedições. Sim, é uma expedição e você entenderá o porquê. É possível fazer por conta própria, contudo o carro deve ser 4×4, as estradas são de difícil acesso, ora de areia, ora de lama, ora de pedra. Não há placas informativas, celular não pega e você se locomove por horas sem ver uma pessoa ou construção. Um dos motivos de ser conhecido como “Deserto do Jalapão” é a sua baixa densidade demográfica.
Assim, recomendo uma empresa com experiência. Normalmente, o valor abrange hospedagem, refeições e entrada nas atrações, no melhor estilo “me leva que eu vou”. Não inclui bebidas, nem os opcionais de rafting, rapel e tirolesa. Cartões raramente são aceitos. Logo, não se esqueça do dinheiro para esses extras.
O que afasta muita gente de ir foi o que me fascinou. As muitas horas na estrada todos os dias desanimam os viajantes que não gostam de ficar longo tempo dentro de um carro. Eu amo uma road trip e, com o visual favorecendo, vou embora. Arrocha o buriti (significa acelera)! Nascida e criada em cidade grande, sou muito urbana. Uma vaca no campo já é bem rural para mim!
Então, imagine uma estrada em que a ema corre acompanhando o carro a mais de 60km/h, a arara azul canta forte, onde a delicada flor que cobre o chão do cerrado de rosa se chama malícia e com apenas um toque ela se recolhe. Os buritis pelo alto,que se confundem com babaçu, as corujas apoiadas em galhos e postes, que parecem estátuas, as plantações de soja, amarelas como os girassóis da Toscana, os campos molhados de arrozais, e a Dona Maria, na tranquilidade da sua varanda, tecendo a bolsa de capim dourado na espera de um turista. Tudo isso que não contam, mas pude sentir, me encantou.
Até o chão de barro bem vermelho com pedras, pedrinhas e pedregulhos, buracos que desenhavam córregos e ajudavam a conduzir o carrosinuosamente, com a trepidação inevitável, eram especiais, fazendo jus à frase que li em um jipe: “No Jalapão o coração não bate, trepida”.
Pela janela, passava o filme do Jalapão! E que filme extraordinário! A estrada contemplativa nos leva para dentro do Jalapão bruto e ao mesmo tempo delicado. O deserto de gente, que não se vê por horas de caminhada. É na estrada, atravessando essa natureza árida, que sentimos a viagem e o lugar. Que se mantenha assim. Por isso, insisto que a viagem é para quem gosta de chão e consegue ver beleza da janela de um 4×4. Que não chegue o asfalto, senão o que será da arara, do buriti, da emae da malícia?!
Ao final, chego à conclusão de que não estraguei a surpresa não contada no roteiro e não mostrada na foto. O Jalapão a gente sente! A experiência é pessoal e cada um perceberá de uma forma. Os sentimentos podem variar, mas uma coisa é certa: será inesquecível!
Ana Matoso é advogada e fundadora do Blog Vibre na Viagem